Carpe Diem

E que venha a loucura

E que venha com toda a força

Força que me faça despencar das minhas próprias crenças

Crenças loucas


E que venha a fé

E que venha você

Renda-me!

Lute e enlouqueça também

Fuja da realidade

E se entregue às oportunidades...


Abandone a sua razão insana

E se afogue nesse mar de incertezas

Seja puramente profana

E que o nosso juiz seja a nossa vontade


E que o nosso controle e bom senso sejam passageiros

Viajantes de longa data

E que se percam na nossa odisséia

Na nossa aventura

Com nossa loucura

Buscando o porquê de ainda existir...

(Noturno)

sábado, 14 de julho de 2012

Continuação do capítulo 8


Parte 3: O acordo

            Sem palavras. Com certeza essa é a melhor expressão para explicar a minha situação nesse momento, se o meu temor sobre Dalila já era enorme, a aliança entre ela e Alice tornava a situação ainda mais grave. Enfim, não restava outra opção para mim, a única escolha era sentar e entender o que realmente estava acontecendo.

            - Sempre atrasado, não é mesmo Pietro? Por que demorou tanto?
            - Adoro sua ironia Dalila, ela consegue elevar ainda mais o seu carisma. Eu tive contratempos, e como você sabe, eu trabalho até tarde.
            - Eu sei garoto. De onde você conhece minha advogada? Pensei que ela fosse nova na cidade.
            - Não tão nova. Estudamos juntos no passado, retornei a pouco tempo e por coincidência acabamos nos encontrando depois de quantos anos mesmo Pietro?
            - Seis anos, três meses e dois dias. E eu não sou um garoto Dalila, eu apenas não posso atender todas as suas exigências.
            - Nossa que memória hein?! Você deve ter deixado lembranças fortes nesse rapaz. Sabe Alice, esse jeito impetuoso dele, torna-o tão atraente não é mesmo?
            - Acredito que deveríamos iniciar nossas tarefas senão sairemos daqui apenas amanhã...
            - Alice está certa. E eu acordo cedo amanhã. Diga-me Dalila, o que é tão urgente?
            - Como você bem sabe, estou muito interessada em abrir um curso de aprofundamento onde eu possa aprimorar alguns projetos e garantir uma maior segurança nesse mundo cão. Você sabe que nossa área é extremamente instável e a Escola faz de tudo para que nós continuemos eternamente submisso a ela, a ilustríssima diretora Eva Sales gosta disso, e uma das formas dela manter esse cabresto é limitando nossas oportunidades de emprego e crescimento profissional a escola dela. Outros tentaram sair, entrar em outras escolas menores, tentar se desvincular dessa servidão, mas Eva sempre encontrou um meio de quebrar isso, você sabe Pietro, você sabe com quem estamos lidando...

            As palavras de Dalila não foram tão surpreendentes, mas causaram impacto. De fato, era impossível sair da Escola para outros estabelecimentos particulares sem sofrer retaliações e ainda mais num mercado de trabalho como o aracajuano.  Tudo aqui é baseado a partir do que se fala sobre você. Seu currículo, suas habilidades profissionais somente terão importância depois que bons comentários sobre você surgir e é nesse ponto que Eva domina a todos. Como a empresa dela é a maior, Eva acabou transformando sua escola num ponto de referência fundamental para a carreira de qualquer outro professor, ou seja, quando alguém é demitido da Escola, sua carreira estará fadada a um curto e penoso fim. Eva não poupará infâmias contra o indivíduo e ele será eternamente visto como aquele que não deu certo na Escola, e numa cidade como Aracaju, isso pesa mais que qualquer currículo.
            Contudo, o que mais me impressionava era essa percepção ter vindo justamente de Dalila, na minha cabeça ela era um dos alicerces da Escola, composta pela tríplice Eva, Dalila e Abel. Como eu imaginava, a noite seria bastante interessante...

            - Prossiga Dalila. Aonde você quer chegar?
            - Mesmo sabendo que você já sabe, eu explico com maiores detalhes Pietro. O objetivo dessa reunião é estabelecermos os parâmetros legais para montarmos uma sociedade entre eu, você e Abel.
            - Abel Sales? O filho da diretora?
            - Não me interrompa. Sim, Abel Sales. Ele, mais até do que você, será a nossa aliança com a Escola. Eva não nos atacará e ainda poderemos extrair as informações necessárias para o crescimento da nossa empresa. Planejamentos de revisões da Escola, número de alunos que precisarão de reforço para a recuperação de notas e é claro toda a logística de marketing e propaganda, aliando-se a Eva, teremos de brinde todos os aliados dela.
            - Certo, admiro o seu plano Dalila. Só não entendi em que parte eu sou importante. Dinheiro não tenho, e a única coisa que eu quero é sair desse mundinho.
            - Bem, você tem o talento e o carisma e isso para mim é o suficiente para te bancar no início dos negócios. Por isso, trouxe Alice, a qual pertence a um escritório de advogados de São Paulo que já me ajudou bastante no passado. Ela irá apresentar as condições do contrato que assinaremos hoje.
            - Assinaremos hoje? Como assim? Eu nem lhe dei minha resposta ainda!
            - Por isso mesmo que eu sei que é positiva. Pietro, eu te conheço e se fosse para você dizer um não, já o teria feito. Portanto, eu o deixarei a sós com Alice e ela te explicará todas as condições do contrato, agora preciso ir, Abel Sales me aguarda e como você já bem sabe, a vaidade dele precisa ser massageada.

            Não demorou muito para Dalila recolher suas coisas e sair da sala, que agora parecia ainda menor. Sentado, Pietro ainda tropeçava em seus pensamentos sem saber ao certo o que dizer a Alice, no fundo, ele sentia um misto de raiva, indignação, surpresa e medo. Tudo isso, somado a sua expectativa, tornavam seus pensamentos infantis e é claro, as suas ações também.

            - Advogada? E de Dalila? Qual é a sua Alice? Veio de tão longe para enfiar o último prego em meu caixão? Você precisa fazer tratamento hein?
            - Quem precisa de tratamento aqui é você! Ainda não parou com essa mania de achar que o mundo inteiro gira ao seu redor e tem um plano tenebroso contra você? Ahh eu tinha esquecido o quão você é brilhante, porque de certo, para tanta gente assim querer te destruir ou você é a última coca-cola do deserto ou apenas mais um estúpido que não enxerga além do seu nariz.
            - Ah tá! Eu sou estúpido? Acredito que estupidez deve ser algo que motiva alguém a sair de São Paulo apenas para se vingar de um ex-namorado, acho até que tem outra palavra para isso, ahhh lembrei: é BURRICE.
            - O especialista em vingancinhas aqui é você, bem nem tanto não é mesmo? A saber, pelo resultado de sua última vendeta. Agora para de ser ridículo! O escritório que eu trabalho presta serviços para a senhora Dalila há anos. E eu fui designada para auxiliá-la nesse novo empreendimento, mas vejo que ela escolheu pessimamente os seus associados, porque ao que me consta um deles é um playboyzinho que caiu de paraquedas nesse negócio e outro é um idiota completo, ISTO É, VOCÊ. Ah e só para constar, nós nunca fomos namorados, você me poupou disso.
            - Senhora Dalila hein? O que o dinheiro não faz...
            - Meu querido, eu não tenho a noite inteira, então fica calado e ouça com atenção os termos do contrato, até porque uma vez assinado, não haverá volta.
            - Quem não tem a noite inteira aqui sou eu, pega a bosta desse contrato e faz o que quiser com ele! Eu não vou ficar aqui trocando palavras com um tipo de pessoa como você.
            - Bem, a opção de ter uma explicação sobre o documento é sua, mas como sei que você assinará o contrato de qualquer jeito, mesmo porque já percebi desde que chegou que há um interesse mútuo nisso, irei deixá-lo em cima da mesa. Tenha uma boa noite. Ah só mais um detalhe, quando assinar, entregue-o ao mâitre, ele já foi instruído sobre isso. Tenha uma ótima noite.
            - Vai a merda...
            - Você não mudou nada... Tsc tsc, até parece que parou no tempo. Por acaso teve alguma decepção amorosa foi?

            Eu não consiguia me situar diante daquilo. Era demais para mim. Enfrentar Dalila já seria um desafio muito além das minhas expectativas, mas bater de frente com ela e Alice? Putz, logo Alice? Como uma menina tão meiga, tão doce se transformara naquilo? Seca! Dura...
Minhas pernas ainda tremiam mesmo após a partida dela, minutos se transformavam horas e eu já não me sentia entorpecido pela conversa que havia tido com ela, na verdade com as duas. O sistema a corrompeu? Era isso mesmo? Alice estava a serviço de Dalila por dinheiro? E se foi por tanto tempo como ela mesma mencionara, então ela sabia com quem estava lidando... E ainda assim a transformara em cliente? Por dinheiro? De fato, eu me sentia cada vez mais um Dom Quixote e não entendia ou pelo menos não aceitava o quão insignificante eu me tornara para Alice. Será mesmo que eu fora apenas isso na vida dela? Meus pensamentos amargavam e não conseguia sequer imaginar alguma estratégia, mal sabia o que elas queriam... Será que Dalila sabia do meu envolvimento com Alice no passado? Será que isso foi uma estratégia dela para me desmontar? Eu jamais conseguiria achar uma resposta naquele estado, aliás, apenas uma pessoa saberia isso e o nome dela é Miguel. Precisava ligar para ele, conversar, abrir o jogo, desde a noite no Casarão que me intriga essa aproximação dele com Alice, havia algo naquele cenário que eu não conseguira decifrar. Ainda assim, aquele maldito pedaço de papel se debruçava da mesa para mim, e no fundo ele sabia que eu precisaria engolir meu orgulho, minha dignidade, vender ainda que em pequenas parcelas minha alma para entrar no jogo, o qual eu mal sabia se conseguiria vencer, provavelmente não. Eu ficava diante dele e não conseguia enxergar nada, lia e relia, nada, absolutamente nada me chamava a atenção. Tudo estava contra mim e eu havia criado aquele monstro que se levantara friamente e fora embora, restava apenas assinar aquilo e ir também, afinal de contas já era madrugada e adivinhem? Eu acordaria cedo para trabalhar. Não havia muitas opções. Meu Deus... O que eu fiz?