Carpe Diem

E que venha a loucura

E que venha com toda a força

Força que me faça despencar das minhas próprias crenças

Crenças loucas


E que venha a fé

E que venha você

Renda-me!

Lute e enlouqueça também

Fuja da realidade

E se entregue às oportunidades...


Abandone a sua razão insana

E se afogue nesse mar de incertezas

Seja puramente profana

E que o nosso juiz seja a nossa vontade


E que o nosso controle e bom senso sejam passageiros

Viajantes de longa data

E que se percam na nossa odisséia

Na nossa aventura

Com nossa loucura

Buscando o porquê de ainda existir...

(Noturno)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CAPÍTULO II: Um dia daqueles.


Passei a manhã toda com pensamentos, memórias e resmungos atormentando a minha cabeça. O resultado disso é óbvio: minha aula não rendeu. Não conseguia me concentrar e por muitas vezes quando olhava para aqueles adolescentes descompromissados com tudo e até com eles mesmos minha paciência ia ao limite, não sei ao certo o que era pior, se era aceitar que eles não se importavam com o conteúdo lecionado, ou se era eu que não me importava se eles estavam aprendendo, enfim, independentemente da conclusão, qualquer uma delas seria um desastre.
Das poucas certezas que tinha conquistado no meu curto período de magistério era que, os professores são totalmente opostos daquilo que eles deveriam ser. Apresentam-se como pessoas éticas, moralizadoras e com bom-senso, mas na prática tudo não passa de hipocrisia como uma boa dose de teatro, teatro bem aos moldes de Shakespeare, sem finais felizes e com muitas infelicidades e desvios no final. A única diferença é que, ao invés de uma ótima mensagem moralizadora ou um excelente exemplo a ser seguido, no teatro do magistério tudo circulava em torno da cobiça, da vaidade e, é claro, da ignorância. Contraditório e ao mesmo tempo coerente. Era difícil sobreviver àquela selva, a qual eu mesmo tinha me colocado. E provavelmente era isso que me deixa puto!
Casos amorosos, abusos de poder, fofocas, traições, assédio, tudo era possível de se encontrar nesse meio. A podridão contaminava a qualquer um que estivesse por perto, e eu mesmo já me sentia contaminado. Penso até, que a corrupção ao meu redor, fez com que eu enxergasse aquilo como cotidiano, rotineiro. O impressionante era que todos estavam envolvidos de alguma forma, desde o porteiro da escola, até a direção. Nem os alunos escapavam, os quais na maioria das vezes se divertiam com as fofocas e fuxicos que pairavam no ar em tons negros de conspiração. Dentro de mim ecoava a mensagem: Ficar inerte também é uma forma de corrupção. Eu precisava fazer algo, mas não sabia nem o que fazer e muito menos contra o que fazer. Talvez essa sensação de inércia constante e imóvel fosse o que mais me incomodasse. Era como se eu me sentisse sujo, podre, corrupto.

...
            Meio dia e exatos 50 minutos. O sinal de saída toca é hora de ir para casa, minha próxima aula começaria às duas e meia, não queria me atrasar e muito menos ficar sem almoço. Morar sozinho tem suas vantagens, contudo a ilusão de independência e liberdade é passageira. Na verdade ela acaba justamente quando se deixa um prato sujo na pia pela manhã e ao chegar à casa a noite, ele continua lá. Imóvel, o prato sujo e as roupas de cama amontoadas lhe deixam bem claro que você está sozinho e que não há exatamente ninguém para solucionar aquilo, não que fosse doloroso fazer as coisas de casa, doloroso era perceber que se estava sozinho e que dificilmente aquilo iria mudar.
            Resolvi ir morar sozinho quando recebi meu segundo salário, mal tinha começado a trabalhar e já queria escapar dos incômodos da minha casa. Aluguei um apartamento simples, comprei uns móveis velhos, parcelei, negociei e é claro, me endividei. A vida não é justa ou muito menos fácil, acho até que nem deveria ser. Enfim, eu esperava superar tudo aquilo rápido, para mim, naquela época as dívidas eram sinônimos da minha liberdade e independência compradas em parcelas, a cada pagamento realizado, mais próximo eu estaria delas. Era um sonho e um plano interessante, contudo, como já dizia Drummond “havia uma pedra no meio do caminho...”, e no meu caso, havia várias.
            À tarde as coisas pareciam mais tranqüilas, o calor rotineiro e sono após o almoço já havia se tornado comum nas minhas tardes de trabalho. Minha expectativa ainda consistia em entender o porquê daquele sonho, relembrar meu antigo professor, minha angústia de pré-universitário era algo que eu não esperava. De qualquer maneira, as escolhas feitas por mim até aquele momento tinham sido feitas após uma meticulosa análise, sendo que, na minha opinião, não havia sido realizada de forma equivocada. Então, se assim o foi, por que eu me encontrava naquela frustração, como se ainda estivesse preso a algo, só que dessa vez, quem estabeleceu as grades e as algemas da minha prisão, havia sido eu mesmo. Talvez fosse isso que me deixava tão irritado.
            Ao chegar à escola dou de cara com o professor Abel Sales. Figura perigosa e extremamente contraditória é o tipo de pessoa que se deve medir bens as palavras quando se está perto dela, minha intenção era ficar calado, resumir-se ao “boa tarde”, mas aquela cascavel precisava ter notícias na manga para atualizar o seu rol de fofoca:
            - Boa tarde senhores.
            - Jovem Pietro!
            Eu mesmo sabia que aquele adjetivo não era algo qualitativo a me acrescentar, ao contrário, era uma forma daquele verme tentar me diminuir perante os outros.
            - Oi.
            Talvez se eu fosse monossilábico, aquele imbecil perceberia que o que mais queria era ele bem distante de mim. Meu dia já não estava dos melhores e eu não precisava da atenção, nem muito menos dos cuidados daquele parasita.
            - Fiquei sabendo do ocorrido, realmente o coordenador Maurício se põe acima da autoridade que possui.
            - Não sei do que você está falando Abel, e eu já me encontro bem próximo do meu horário, não posso conversar com você agora.
            Eu não tinha nada para conversar com ele, mas o cara não se tocava, tentei ser mal-educado, sendo monossilábico, mesmo assim ele continuou no meu percalço. A solução seria utilizar palavras dóceis e falsear promessas para aquela ave de rapina. Acredito que só assim ele sairia de perto de mim.
            - Entendo o seu lado Pietro. Um rapaz tão jovem, com uma responsabilidade tão grande. Sei que é difícil cumprir determinadas funções. Mas fique tranqüilo, se você precisar da minha ajuda, posso tranquilamente falar com a diretora e nós iríamos dar uma lição naquele coordenadorzinho de merda!
            - Não não, esquece isso Abel, eu não preciso de ajuda, até porque não houve nada demais e outra eu tenho mais o que fazer. Pode ficar tranqüilo que se eu precisar de qualquer coisa eu te procurarei.
            Se fosse necessário contar mais mil mentiras semelhantes àquele absurdo que eu estava dizendo, eu o faria. Era preciso mentir e o pior era preciso fazê-lo de forma extremamente sincera. Por incrível que pareça, acredito que isso foi o que melhor aquele trabalho me ensinou.
            - Ah claro. Pode contar comigo então Pietro, você sabe que eu sou seu amigo, esse negócio de chegar no horário em ponto é coisa de militar, nós deveríamos ter uma tolerância e penso que...
            - Abel, eu preciso ir, minha aula vai começar agora. Até mais.
Se eu pudesse descrever esta figura com apenas uma única palavra, acredito que a mais correta seria traiçoeira. Abel era o tipo de funcionário que buscava informações em todos os cantos. Quando descobria que tinha ocorrido uma discussão, ele ia correndo oferecer apoio, o problema é que ele oferecia apoio aos dois lados e pior, ficava atiçando a ambos. Falso-moralista, posava de ético e regrado para todos. Sempre chegava mais cedo na escola, não por disposição ou algo do tipo, mas sim para poder observar cada um que chegava e como chegava. Era impressionante a sua vontade de querer saber tudo, principalmente sobre a vida alheia. Tudo nele me incomodava. A forma como se vestia, a maneira como observava as pessoas, como falava com elas, tudo. O pior era saber que logo depois que ele me visse entrar em sala iria correndo atrás de Maurício para falar sobre mim. Mesmo assim, procurei não me importar com isso, até porque, acredito que ele próprio já havia procurado o coordenadorzinho de merda.
Ao final da aula fui correndo até o setor financeiro, durante a manhã eu tinha ouvido boatos que o salário iria sair, e eu definitivamente estava precisando daquele dinheiro. Eram 17horas e 59 minutos quando eu cheguei à porta do financeiro, minhas batidas na porta ecoavam no ar, e nenhuma resposta era proferida de lá de dentro. A luz estava acesa e eu sabia muito bem, que havia alguém lá dentro, mesmo assim, ninguém respondia. Se tem algo que me deixa possesso, é quando alguém faz um direito se transformar em um pedido de caridade. A porta abre:
- Pietro, como sempre atrasado não é meu jovem rapaz?
- Não comece, apenas vim buscar meu salário, não vim lhe trazer nem uma “boa noite”.
- Como sempre um humor recheado a rosas. Você sabe muito bem, que nós já fechamos, só segunda agora.
- Pára com isso, preciso da grana e mais eu não cheguei atrasado, to no horário, pode conferir.
- No meu relógio são 18horas e 2 minutos.
- O seu relógio está adiantado. Putz, eu só vim buscar o meu salário, não estou lhe pedindo nenhum sacrifício, muito menos um favor.
- Infelizmente, já desliguei o computador. E não sei de cor quanto cada funcionário ganha. E digo mais, o que vale aqui meu filho é o horário que está no meu relógio. Sou eu que abro e fecho este setor, então...
- Mas?!
A porta se fecha. Não havia mais solução, as contas atrasariam, os cobradores reclamariam e eu provavelmente me estressaria ainda mais. Contudo, não podia ficar ali plantado. Precisava jantar e voar para faculdade, mais tarde veria como ajeitar aquela situação. O tempo mais uma vez se voltava contra mim e minha paciência já se encontrava no limite. E sabe o que foi o pior? Foi descobrir que naquele fantástico dia, eu não teria aula.
Ao chegar em casa, eu estava esgotado, a pilha de livros na mesa, os papéis espalhados pela sala e o prato sujo do almoço me convidavam insistentemente. Varri, lavei, arrumei. Após um banho gelado, fiz uma janta rápida e esperei o telefone tocar. Era sexta, precisava ir à rua, mas não conseguia se quer ir até a sala. Como eu esperava, o telefone tocou:
- E aew!
- Fala brother.
- Vai morrer aí no apê é?
- Acho que já estou morto a muito tempo, só esqueceram de me avisar.
- Que nada! Veste uma roupa, tem festa na casa da Nanda hoje, acho que vai querer dar um pulo lá!
- Ah é? E por que eu iria querer ir?
- Não sei, de certo, no seu lugar eu iria.
- Não sei não. Nanda e suas festas não me trazem boas lembranças.
- Pára de pessimismo, já te disse, põe uma roupa que eu mesmo vou te buscar.
- Precisa não, eu passo na sua casa é caminho pra mim mesmo, você não precisa vir até aqui.
- Tá ok, quando chegar aqui me dá um toque. Até mais viadinho!!!
- Vai à merda Miguel.
Fiz algumas promessas e troquei de roupa, após alguns minutos lá estava eu arrumado e pronto pra balada. O que será que a noite iria me trazer? De certa forma, eu estava curioso para saber o que iria encontrar na casa da Nanda, o problema é que aquele bendito lugar estava próximo de um barzinho novo, ou seja, um ótimo point para os meus queridos e curiosos alunos.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Continuação do capítulo I

Coordenador Maurício Nascimento de Souza. Chegou recentemente à escola com a missão de organizar, empreender e principalmente cumprir metas. A única tarefa que ele parece freqüentemente esquecer é a de coordenar a escola. Sua meta maior: Alcançar a maior aprovação possível no vestibular, afinal de contas, qual poderia ser o maior objetivo de uma escola? Parece pequeno não é mesmo? Ali tudo era pequeno demais, e pior, também era sufocante. Por ser funcionário padrão provavelmente ganhava mal, assim como a maioria de nós. Contudo, por ocupar uma função de autoridade, afogava-se em autoritarismo. Tratava os demais com estupidez e se colocava como verdadeiro patrão da escola.  Logo que fui contratado, encarava aquilo com bom humor, divertia-me assistir aquelas demonstrações de imbecilidade.
            Ele costumava vestir um terno batido, suas limitações financeiras o impediam de ir mais além, acho até que mesmo se ele possuísse condições não teria criatividade para inovar. Com pouca instrução acadêmica, largou a universidade para se dedicar ao trabalho. Como eu disse, ele pensava pequeno. Talvez as próprias adversidades de sua vida o forçaram a se portar dessa forma. De qualquer maneira, por mais difícil que fosse a vida dele, limitar-se àquele meio era sim pensar pequeno. Talvez eu tivesse medo de acabar como ele, dependente como ele.
            As situações adversas da vida circulavam em meus pensamentos, talvez a raiva, a dúvida, o medo que mantinha dentro de mim era assistir-me projetado na figura daquele “pseudo-Bonaparte”. Será que eu acabaria como ele, dependente como ele? Não! Eu não suportaria viver daquela forma, engravatado e castrado pelos desmandos existentes naquela escola. O ambiente sufocante de outrora voltava a impregnar o ar ao meu redor. Minha cabeça estava prestes a explodir e eu ainda tinha 13 aulas pela frente, o que significava para mim como 740 minutos de muito stress e dúvidas, eu até já consegui ouvir àquelas dezenas de vozes conversando, cochichando e me analisando o dia inteiro, era como se diariamente eu fosse avaliado por eles, testado como um rato de laboratório que estava sempre disposto ao sacrifício de dar a vida inteira pelo bem-estar deles e como se fosse pouco, eu deveria fazer tudo aquilo sorrindo. Entro na sala, a aula vai começar.