Carpe Diem

E que venha a loucura

E que venha com toda a força

Força que me faça despencar das minhas próprias crenças

Crenças loucas


E que venha a fé

E que venha você

Renda-me!

Lute e enlouqueça também

Fuja da realidade

E se entregue às oportunidades...


Abandone a sua razão insana

E se afogue nesse mar de incertezas

Seja puramente profana

E que o nosso juiz seja a nossa vontade


E que o nosso controle e bom senso sejam passageiros

Viajantes de longa data

E que se percam na nossa odisséia

Na nossa aventura

Com nossa loucura

Buscando o porquê de ainda existir...

(Noturno)

domingo, 18 de dezembro de 2011

CONTINUAÇÃO DO CAPÍTULO III...

...
Depois de quase 1 hora caminhando, o suor já ensopava a minha blusa, queria chegar em casa logo, tomar um longo banho e simplesmente assistir TV. Foi quando estava mergulhado em meus pensamentos, que eles apareceram. Nunca tinha ido por aquele beco, na verdade eu estava tão distraído que nem notei quando entrei lá. Não percebi a ameaça de imediato, mas quando notei já era tarde demais. Um soco explodia nas minhas costas e eu tateava o solo para evitar a queda, ainda meio cambaleante recebi o primeiro de 4 chutes, finalmente caí ao chão, eles eram três e eu somente um. Não podia perder aquele dinheiro, não podia ...
            - Qual é Mané, vai dar uma de herói agora é? Passa tudo senão a gente te desmonta agora!
            - Calma car...
Outro chute acertava as minhas costas e eu já me sentia sem ar. O que fazer quando se está no chão, cercado por três ladrões e sem chances alguma de obter sucesso? É, eu sei bem a resposta: nada...
- Toma é tudo o que eu tenho.
- Eu quero é a mochila seu otário filho da puta!
- Cara eu to te dando meu tênnis, meu relógio, o que você quer ma...?
            Outro chute e mais outro, eu já sentia meu corpo dormente. Eu sabia que não tinha nada a fazer, mas entregar todo o dinheiro? Minha mãe me matava... Acho que eles também... Foi aí que a história mudou, sabe aquelas coisas que nunca acontecem na vida real, aquele tipo de coisa que só assistimos em filme? Pois bem, justo na hora que eles começaram a puxar a mochila de mim, uma outra confusão se fez na rua, não sei ao certo o que foi só sei que uma mulher gritando e pedindo por socorro saiu de uma das casas e a atrás dela o marido visivelmente embriagado, gritando frases do tipo: eu te mato! Bem, eu não tinha nada a ver com aquilo, nem poderia ser um herói, por 5 segundos os benditos ladrões se distraíram e foi o tempo que eu tive para correr. Objetivo número 1: chegar até a avenida. Depois disso, só Deus sabe, mas que eu tinha que sair dali eu tinha. Então eu corri, e sentia que quanto mais eu corria, mais os meus “amigos” se enfureciam comigo. O beco já estava quase no fim e a avenida cada vez mais próxima, descalço, sangrando e sujo, avistei um ônibus e me joguei como um desesperado nos seus degraus. O motorista parou e quando eu olhei para trás já não avistava mais ninguém, diante de mim uma mão se dispunha a me ajudar, ao erguer minha cabeça, era ela: Alice. Ainda não havia notado o quão era bela. E mais uma vez, em momentos de apuros, ela aparecia finalmente alguém aparecia. Mal sabia, que a partir dali eu nunca mais seria o mesmo, minha vida nunca mais seria a mesma.
            - Você está bem?
            - Estou tentando ficar...
            - O que aconteceu?
            - Assalto... surra...
Meu corpo cansado não conseguia responder aos meus pensamentos e eu nem conseguia respirar direito.
- Calma, eu te ajudo. Tem dinheiro para o ônibus?
- Tenho sim, tá na minha mochila. Ei cadê a minha mochila?
Foi quando eu percebi que toda a minha aventura tinha sido em vão. Ao saltar no ônibus, a minha mochila, onde estava o dinheiro dos passes caiu e com ela todo o meu sacrifício. Parecia ser mentira, maaaas a vida não costuma ser totalmente justa.
- Olha,vamos tratar disso primeiro, depois vemos a sua mochila.
- Não, eu não posso ficar sem ela.
- Ei! Calma menino?! Eu já disse que te ajudo. Senta aí que eu pago a sua passagem e depois nós veremos o que fazer. Minha casa é aqui perto e a sua?
- Também...
Respondi ainda meio abobalhado, entristecido e é óbvio puto da vida.
- Vamos descer?
- Oww que jeito né?
- Por sinal meu nome é...
- Alice, eu já sei... O meu é Pietro, muito prazer.

...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

CAPÍTULO III: ALICE

PARTE 1: Estranha descoberta

Há exatos 6 anos atrás...

            - Poderíamos conhecer o mundo sabia?
            - Você não permite que eu o conheça como pode me oferecer o mundo?
            - A Vida é buscar o desconhecido...
            - Desconhecido pra mim é apenas o que passa em sua cabeça, seu louco!
Eu a conheci quando tinha 18 anos, num lugar onde era improvável de se conhecer qualquer grande amor: em uma fila para comprar passe-escolar. Engraçado? Não, apenas estranho. Como sempre, eu estava atrasado e era o último de uma interminável fila, um ar condicionado meia-boca e um calor insuportável tornavam o desafio de se chegar ao caixa uma verdadeira Odisséia. Faltavam somente 2 pessoas e eu sabia que sem o passe-escolar minha ida a escola seria quase impossível, faltar logo na primeira semana contribuía para a fama que eu já carregava sobre si: aluno displicente e despreocupado com tudo. Com certeza não era a melhor fama a se carregar, mas por um lado, eu pouco me importava em ter qualquer imagem que fosse, naquela escola, tudo era imagem, tudo era status.
O penúltimo foi chamado, e eu estava a poucos minutos de acabar com o meu calvário, a ansiedade espremia meu estômago e me fazia contar cada segundo. O mais interessante de quando se está ansioso, é a forma como nós observamos as coisas ao nosso redor, tudo parece estar em slow-motion. O silêncio se faz presente e ao mesmo tempo é ensurdecedor, contraditório? Talvez, mas a vida por si só é contraditória. A sensação do suor escorrendo pelo rosto e o apertar que sentimos na barriga, uma agonia, e o impressionante é que essas sensações vêm e voltam como um pêndulo, até ficarem intensas a cada passo que nos aproximamos do nosso destino, a partir daí nós nos sentimos os últimos do mundo.
- Próximo!
 Eu sou chamado, parece que o tormento vai passar, apenas parece.
- Me dá 200 passes... To esperando a horas aqui, num vejo a hora de ir pra casa e...
- Sinto lhe informar, o sistema está fora do ar... Acho que não volta mais hoje.
- Mas como? Puta que pariu, e como é que eu fico? Eu não tenho passe nem pra voltar pra casa.
- Usa o dinheiro ué?
- Mas minha senhora, se eu usar o dinheiro eu vou desinteirar para a compra de amanhã e não conseguirei comprar o suficiente pra passar o mês! Vou ficar a pé!
- Caminhar faz bem...
- Não brinca com isso, eu preciso dos passes, por favor...
- Meu filho, eu não posso fazer nada!
- Minha senhora, isso é um absurdo! Como diabos essa merda pôde ficar fora do ar justo na minha vez? Puta que pariu, a senhora vai ter que fazer algo, senão...
- Senão o que seu moleque? Quem você pensa que é?
A confusão já se transformava em um verdadeiro barraco, onde os insultos pareciam composições ao ar...
- Ei?! Menino? Posso ajudar? Eu te empresto os meus...
- Hã? Olha, obrigado, mas não me entenda mal, eu não quero favor de ninguém daqui, eu quero apenas o meu direito de comprar a minha passagem!
- Olha calma, assim você não consegue nada. Por sinal, meu nome é Alice.
- Olha Alice, eu agradeço a sua ajuda, mas eu me viro sozinho.
- Certeza?
- Ow que jeito...
No fundo eu sabia que não me restava outra opção, o pior é que com tanta raiva nem notei a gentileza da garota, aliás, diga-se de passagem, que eu não notei nada ao meu redor. Acredito que a cegueira ou a perda grave do campo de visão é o primeiro sintoma de quando estamos com raiva. Na verdade é como se nós começássemos a enxergar tudo em vermelho e para piorar aquela sensação de cabresto tapando a nossa visão lateral, é constante. O sangue parece borbulhar e é totalmente compreensível quando as pessoas explodem. A vontade que dá mesmo é gritar, quebrar tudo ao nosso redor, esculhambar tudo, já eu, optei por resmungar e digerir tudo aquilo.
Comecei a caminhar. O percurso de volta para casa era longo, contudo o que me preocupava não era nem isso, porque caminhar por caminhar, às vezes é até bom para espairecer, aquela brisa no rosto leva consigo todas as preocupações. O meu temor era que às 5 da tarde com 200 e poucos reais no bolso, eu me tornava um verdadeiro brinde aos possíveis assaltantes, mas... Desgraça pouca é bobagem não é mesmo?
Procurei não olhar para os lados e continuar o meu caminho, queria não estar ali, parecia ser tudo tão simples, eu só precisava comprar os passes e tudo ia ficar bem, mas o sistema fica fora do ar! Dá pra acreditar nisso?! Pra piorar eu ainda teria que escutar as reclamações da minha mãe, com aquele blá blá blá de que eu não sabia fazer nada direito. Eu queria mesmo era sumir.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Continuação do capítulo II

Entrei e mal olhei para os lados, meu plano era localizar uma mesa, sentar, respirar fundo e é claro pedir o primeiro de muitos chopps. Mas ninguém me prometeu uma vida fácil, não é mesmo? Quando pensei em puxar uma cadeira, a voz macia da Nanda pôs por terra toda a minha suposta rota de fuga:
            - Calma Pietro, já tem gente esperando por nós aqui...
            A frase foi acompanhada de um sorriso irônico, e eu é claro estranhei, senti que aquele era o momento exato de pegar a chave do carro e sumir dali, algo me dizia isso, como se meu subconsciente estivesse tentando me dizer que era necessário fugir.
            - Como assim Nanda? O encontro não era apenas entre nós três...?
            - Bem, as coisas mudam Pietro, e nem sempre você pode controlá-las ou prevê-las... Acredite no início você vai se assustar, mas tanto eu como o Miguel sabemos que no fundo no fundo, você vai adorar...
            A voz de Nanda era ao mesmo tempo firme e irônica, não sabia ao certo se ela estava falando sério ou se estava simplesmente aprontando mais uma comigo. Eu já estava me sentindo pesado e aquela sensação sufocante voltava a me envolver, era uma sensação de embriaguez, os pensamentos estavam turvos e eu sabia que precisava reagir rapidamente.
            - Não estou preparado para charadas, muito menos para mistérios, ou você me fala exatamente o que está acontecendo, ou eu vou embora agora! Não gosto desse tipo de brincadeira.
            - Deixa de coisa Pietro, você está se tornando paranóico. Nós somos seus amigos lembra?
            - Nem vem com esse “papinho emo” Miguel, esse negócio de todos amigos e felizes para sempre não cola comigo. Eu sei que no fundo, vocês estão escondendo algo. Finalmente, o que vocês estão me escondendo?
            - Você não mudou nada Pietro...
            Aquela voz me petrificou. Naquele momento foi como se o próprio tempo estivesse estático diante de mim e eu já não conseguia me sustentar de pé, na verdade eu nem conseguia me virar, ou talvez não quisesse. Era assustador apenas imaginar que poderia ser ela. Parei e respirei devagar, olhei para trás, não esperava ver o que eu estava prestes a encontrar, não sei se era por desejo, vontade ou até mesmo medo, só sei que não queria ter ouvido aquela voz. Minha mente ficou nublada, as palavras se misturavam ao pensamento que embebida por um turbilhão de lembranças resultavam no mais absoluto silêncio. Nem a música do Casarão, que costumeiramente é muito alta, eu conseguia ouvir, tudo e exatamente tudo parou, e é óbvio que qualquer um naquele momento, se sentisse o que eu estava sentindo saberia que é inevitável não emudecer. Senti-me frágil como nunca havia me sentido, e diante de tanta expectativa, outra palavra explodiu diante de mim:
            - Não vai falar nada Pietro? O que foi não lembra mais de mim é?
            Acreditem, o problema não era a falta de lembranças e sim o excesso delas. Eu estava rendido, absolutamente rendido e mergulhado em uma situação que talvez eu estivesse evitado nos últimos 6 anos. Sempre que pensava nessa possibilidade, eu treinava falas, ensaiava argumentos, mas nunca imaginei como fosse acontecer da forma que aconteceu. Aos poucos meu corpo imóvel foi sendo devolvido a mim e o nó na minha garganta foi sendo desatado, a partir daí eu pude, ensaiar, quer dizer, balbuciar o meu primeiro gesto de inteligência social:
            - A...a...a...alice?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Continuação do capítulo II

À noite tudo parecia mais tranqüilo, a calmaria dos ventos que batiam no meu rosto fazia-me perder em devaneios e expectativas. Através da janela do carro, eu assistia quieto e em silêncio o baile de mendigos, travestis e prostitutas, que desfilavam em um enorme palco freqüentemente utilizado como avenida.           Eu sentia o belo e grotesco, ambos unidos em uma contradição sem fim. A existência humana tem dessas coisas, é necessário que sejamos contraditórios para que possamos ser nós mesmos. Durante todo o percurso, aquela solidão diariamente sentida no almoço voltava a me fazer companhia e algo intensamente profundo me revelava que eu estava à caminho da minha destruição, a dúvida no entanto, era saber o que sobraria para destruir, eu já não me conhecia a muito tempo.
- Pietro?! Pietro?! Tá dormindo porra?!
- Que é? Já bateu saudade foi?
- Porra a gente tá indo curtir e você com essa cara de bunda olhando pro nada! Que foi? Gostou de alguma “menininha” foi?
- Não não, essas eu deixo para você.
- Anima aew! Nanda me disse para ir buscar ela!
- Como assim buscar? A festa não era na casa dela?
- Era! Do verbo não será mais! O pessoal resolveu se reunir no Casarão.
- Putz! No Casarão não! Por que você não me disse?
- Porque eu sabia que você teria essa mesma reação.
- Claro! Você queria que eu reagisse como?! Aquele lugar é infestado de alunos, assim que eu pisar lá, aquela gurizada vai ficar me olhando, me analisando, como se eu fosse o próprio E.T de Varginha!
- E não é que parece?!
- Ah Miguel vai se arrombar!
Alunos. Talvez não exista grupo social mais crítico, cruel e investigativo. Possuem o hábito de misteriosamente saber tudo sobre a vida alheia e é claro fazerem deboche dela. Julgam, recriminam, criticam, expõe, intimidam, enfim, transformam sua vida em um pesadelo. Basta você ir a um show e já surge o comentário: “o professor é rajador”, se usamos uma camisa diferente: “Comprou roupa nova hein?”, se repetimos uma roupa: “E tá de farda é professor?”. E olhe que eu nem entrei em coisas mais íntimas, como por exemplo, uma namorada, ou um amigo mais próximo. Às vezes eu perguntava o porquê daquilo tudo, o porquê daquela obsessão sobre a vida alheia. Eles simplesmente não lhes deixavam viver, essa conclusão era para mim como algo gritante, ensurdecedor. E a dúvida que restava era se eles tinham vida útil ou se a vida deles era se ocupar exatamente das nossas vidas. Nunca imaginei que ser professor era delegar aos alunos o direito de intervir na sua vida como quiser, até porque acredito que a vasta experiência de jovens adolescentes não poderia contribuir muito na resolução da minha crise existencial, talvez o melhor mesmo, fosse seguir as idéias de Miguel e mandar todos à merda. Contudo, o jogo não funciona assim, é necessário possuir máscaras para sobreviver, e se você as tem, use-as sem moderação.
Eu já respirava fundo naquele momento. Não sabia se me jogava pela janela e fugia ou se empurrava Miguel por uma delas e satisfazia a minha fúria desejosa de vingança. Aquela revelação feita pelo meu nobre amigo, não apenas me irritava como me deixava temeroso, minha velha mania de autocontrole, de me iludir em acreditar que posso dominar qualquer tipo de situação me anunciava que justamente aquela estava totalmente fora do meu âmbito de segurança e poder. O dia já tinha sido péssimo e a noite não aparentava ser das melhores. O carro pára, Nanda entra, e eu é claro, já ataco com centenas de indagações:
- Você quer o meu mal não é mesmo? Confessa! Aproveita e fala pro Miguel, aliás, nem fala, esse pilantra com certeza está envolvido nessa armação!
- O que o bebezinho já está reclamando hein Miguel?
            Miguel se afogava em risos e mal conseguia responder. Entre um balbucio e outro ele explica toda a situação a Nanda que para variar também rir de mim...
            - É meu amigo, a vida é dura! Isso é que dá não estudar, acabou virando professor!
            - Muito engraçado Nandinha! Você fala assim porque não vai ser a sua pessoa que estará sendo apontada e pior, ficar vigiado a noite toda, é foda!
            - Pára de paranóia Pietro! Você não é nenhum popstar, os guris comentam, observam e depois param. E mais a festa na minha casa não iria dar certo.
            - Por que não?
            - Depois eu te explico, garanto que terá uma surpresa. O mundo é bem menor do que você imagina.
            - Como assim surpresa?
            - Relaxa e fica calado...
            - Isso é deprimente Pietro, você fica se preocupando com opinião de aluninho cara, esquece isso.
            - Muito fácil falar, Miguel. Muito fácil falar.
            Provavelmente Miguel não sabia o que me custava sustentar uma máscara. Fingir algo, assumir posturas, dar exemplos, ser o pai que aqueles aborrecentes não tiveram durante a sua criação. Na minha concepção era quase uma anulação pessoal em detrimento de uma imagem, e eu já não suportava mais aquele jogo, aquele teatrozinho barato, onde os vilões são o que apresentam o ser e os heróis aqueles que apresentam o ter. Numa cidade onde travestis, prostitutas, mendigos e crianças faziam da avenida principal o palco para as suas grandes obras artísticas, a boa sociedade, aquela composta pelo alunado que eu leciono, preocupava-se com coisas mais sérias e importantes, não poderia perder tempo com as amenidades da vida, era mais importante apresentar e exibir a sua boa condição financeira, ou melhor, a boa condição financeira de seus pais. Isso sim era deprimente. De qualquer maneira, já que não tinha mais volta, a alternativa era por a máscara e seguir à risca o que uma antiga frase já dizia: “Quando se cai na lama, o jeito é deitar e rolar...” Meio corruptível essa frase, mas com certeza ela era a síntese daquele ambiente. A Escola se tornara a cidade e a cidade, reflexo fosco da Escola.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Mudança de rumos

Bem, depois de muito refletir sobre meus objetivos e ansiedades percebi que preciso fazer uma faxina geral na minha vida. Não sei ao certo por onde começar, mas garanto que as coisas vão mudar, aos menos precisam começar a mudar...

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CAPÍTULO II: Um dia daqueles.


Passei a manhã toda com pensamentos, memórias e resmungos atormentando a minha cabeça. O resultado disso é óbvio: minha aula não rendeu. Não conseguia me concentrar e por muitas vezes quando olhava para aqueles adolescentes descompromissados com tudo e até com eles mesmos minha paciência ia ao limite, não sei ao certo o que era pior, se era aceitar que eles não se importavam com o conteúdo lecionado, ou se era eu que não me importava se eles estavam aprendendo, enfim, independentemente da conclusão, qualquer uma delas seria um desastre.
Das poucas certezas que tinha conquistado no meu curto período de magistério era que, os professores são totalmente opostos daquilo que eles deveriam ser. Apresentam-se como pessoas éticas, moralizadoras e com bom-senso, mas na prática tudo não passa de hipocrisia como uma boa dose de teatro, teatro bem aos moldes de Shakespeare, sem finais felizes e com muitas infelicidades e desvios no final. A única diferença é que, ao invés de uma ótima mensagem moralizadora ou um excelente exemplo a ser seguido, no teatro do magistério tudo circulava em torno da cobiça, da vaidade e, é claro, da ignorância. Contraditório e ao mesmo tempo coerente. Era difícil sobreviver àquela selva, a qual eu mesmo tinha me colocado. E provavelmente era isso que me deixa puto!
Casos amorosos, abusos de poder, fofocas, traições, assédio, tudo era possível de se encontrar nesse meio. A podridão contaminava a qualquer um que estivesse por perto, e eu mesmo já me sentia contaminado. Penso até, que a corrupção ao meu redor, fez com que eu enxergasse aquilo como cotidiano, rotineiro. O impressionante era que todos estavam envolvidos de alguma forma, desde o porteiro da escola, até a direção. Nem os alunos escapavam, os quais na maioria das vezes se divertiam com as fofocas e fuxicos que pairavam no ar em tons negros de conspiração. Dentro de mim ecoava a mensagem: Ficar inerte também é uma forma de corrupção. Eu precisava fazer algo, mas não sabia nem o que fazer e muito menos contra o que fazer. Talvez essa sensação de inércia constante e imóvel fosse o que mais me incomodasse. Era como se eu me sentisse sujo, podre, corrupto.

...
            Meio dia e exatos 50 minutos. O sinal de saída toca é hora de ir para casa, minha próxima aula começaria às duas e meia, não queria me atrasar e muito menos ficar sem almoço. Morar sozinho tem suas vantagens, contudo a ilusão de independência e liberdade é passageira. Na verdade ela acaba justamente quando se deixa um prato sujo na pia pela manhã e ao chegar à casa a noite, ele continua lá. Imóvel, o prato sujo e as roupas de cama amontoadas lhe deixam bem claro que você está sozinho e que não há exatamente ninguém para solucionar aquilo, não que fosse doloroso fazer as coisas de casa, doloroso era perceber que se estava sozinho e que dificilmente aquilo iria mudar.
            Resolvi ir morar sozinho quando recebi meu segundo salário, mal tinha começado a trabalhar e já queria escapar dos incômodos da minha casa. Aluguei um apartamento simples, comprei uns móveis velhos, parcelei, negociei e é claro, me endividei. A vida não é justa ou muito menos fácil, acho até que nem deveria ser. Enfim, eu esperava superar tudo aquilo rápido, para mim, naquela época as dívidas eram sinônimos da minha liberdade e independência compradas em parcelas, a cada pagamento realizado, mais próximo eu estaria delas. Era um sonho e um plano interessante, contudo, como já dizia Drummond “havia uma pedra no meio do caminho...”, e no meu caso, havia várias.
            À tarde as coisas pareciam mais tranqüilas, o calor rotineiro e sono após o almoço já havia se tornado comum nas minhas tardes de trabalho. Minha expectativa ainda consistia em entender o porquê daquele sonho, relembrar meu antigo professor, minha angústia de pré-universitário era algo que eu não esperava. De qualquer maneira, as escolhas feitas por mim até aquele momento tinham sido feitas após uma meticulosa análise, sendo que, na minha opinião, não havia sido realizada de forma equivocada. Então, se assim o foi, por que eu me encontrava naquela frustração, como se ainda estivesse preso a algo, só que dessa vez, quem estabeleceu as grades e as algemas da minha prisão, havia sido eu mesmo. Talvez fosse isso que me deixava tão irritado.
            Ao chegar à escola dou de cara com o professor Abel Sales. Figura perigosa e extremamente contraditória é o tipo de pessoa que se deve medir bens as palavras quando se está perto dela, minha intenção era ficar calado, resumir-se ao “boa tarde”, mas aquela cascavel precisava ter notícias na manga para atualizar o seu rol de fofoca:
            - Boa tarde senhores.
            - Jovem Pietro!
            Eu mesmo sabia que aquele adjetivo não era algo qualitativo a me acrescentar, ao contrário, era uma forma daquele verme tentar me diminuir perante os outros.
            - Oi.
            Talvez se eu fosse monossilábico, aquele imbecil perceberia que o que mais queria era ele bem distante de mim. Meu dia já não estava dos melhores e eu não precisava da atenção, nem muito menos dos cuidados daquele parasita.
            - Fiquei sabendo do ocorrido, realmente o coordenador Maurício se põe acima da autoridade que possui.
            - Não sei do que você está falando Abel, e eu já me encontro bem próximo do meu horário, não posso conversar com você agora.
            Eu não tinha nada para conversar com ele, mas o cara não se tocava, tentei ser mal-educado, sendo monossilábico, mesmo assim ele continuou no meu percalço. A solução seria utilizar palavras dóceis e falsear promessas para aquela ave de rapina. Acredito que só assim ele sairia de perto de mim.
            - Entendo o seu lado Pietro. Um rapaz tão jovem, com uma responsabilidade tão grande. Sei que é difícil cumprir determinadas funções. Mas fique tranqüilo, se você precisar da minha ajuda, posso tranquilamente falar com a diretora e nós iríamos dar uma lição naquele coordenadorzinho de merda!
            - Não não, esquece isso Abel, eu não preciso de ajuda, até porque não houve nada demais e outra eu tenho mais o que fazer. Pode ficar tranqüilo que se eu precisar de qualquer coisa eu te procurarei.
            Se fosse necessário contar mais mil mentiras semelhantes àquele absurdo que eu estava dizendo, eu o faria. Era preciso mentir e o pior era preciso fazê-lo de forma extremamente sincera. Por incrível que pareça, acredito que isso foi o que melhor aquele trabalho me ensinou.
            - Ah claro. Pode contar comigo então Pietro, você sabe que eu sou seu amigo, esse negócio de chegar no horário em ponto é coisa de militar, nós deveríamos ter uma tolerância e penso que...
            - Abel, eu preciso ir, minha aula vai começar agora. Até mais.
Se eu pudesse descrever esta figura com apenas uma única palavra, acredito que a mais correta seria traiçoeira. Abel era o tipo de funcionário que buscava informações em todos os cantos. Quando descobria que tinha ocorrido uma discussão, ele ia correndo oferecer apoio, o problema é que ele oferecia apoio aos dois lados e pior, ficava atiçando a ambos. Falso-moralista, posava de ético e regrado para todos. Sempre chegava mais cedo na escola, não por disposição ou algo do tipo, mas sim para poder observar cada um que chegava e como chegava. Era impressionante a sua vontade de querer saber tudo, principalmente sobre a vida alheia. Tudo nele me incomodava. A forma como se vestia, a maneira como observava as pessoas, como falava com elas, tudo. O pior era saber que logo depois que ele me visse entrar em sala iria correndo atrás de Maurício para falar sobre mim. Mesmo assim, procurei não me importar com isso, até porque, acredito que ele próprio já havia procurado o coordenadorzinho de merda.
Ao final da aula fui correndo até o setor financeiro, durante a manhã eu tinha ouvido boatos que o salário iria sair, e eu definitivamente estava precisando daquele dinheiro. Eram 17horas e 59 minutos quando eu cheguei à porta do financeiro, minhas batidas na porta ecoavam no ar, e nenhuma resposta era proferida de lá de dentro. A luz estava acesa e eu sabia muito bem, que havia alguém lá dentro, mesmo assim, ninguém respondia. Se tem algo que me deixa possesso, é quando alguém faz um direito se transformar em um pedido de caridade. A porta abre:
- Pietro, como sempre atrasado não é meu jovem rapaz?
- Não comece, apenas vim buscar meu salário, não vim lhe trazer nem uma “boa noite”.
- Como sempre um humor recheado a rosas. Você sabe muito bem, que nós já fechamos, só segunda agora.
- Pára com isso, preciso da grana e mais eu não cheguei atrasado, to no horário, pode conferir.
- No meu relógio são 18horas e 2 minutos.
- O seu relógio está adiantado. Putz, eu só vim buscar o meu salário, não estou lhe pedindo nenhum sacrifício, muito menos um favor.
- Infelizmente, já desliguei o computador. E não sei de cor quanto cada funcionário ganha. E digo mais, o que vale aqui meu filho é o horário que está no meu relógio. Sou eu que abro e fecho este setor, então...
- Mas?!
A porta se fecha. Não havia mais solução, as contas atrasariam, os cobradores reclamariam e eu provavelmente me estressaria ainda mais. Contudo, não podia ficar ali plantado. Precisava jantar e voar para faculdade, mais tarde veria como ajeitar aquela situação. O tempo mais uma vez se voltava contra mim e minha paciência já se encontrava no limite. E sabe o que foi o pior? Foi descobrir que naquele fantástico dia, eu não teria aula.
Ao chegar em casa, eu estava esgotado, a pilha de livros na mesa, os papéis espalhados pela sala e o prato sujo do almoço me convidavam insistentemente. Varri, lavei, arrumei. Após um banho gelado, fiz uma janta rápida e esperei o telefone tocar. Era sexta, precisava ir à rua, mas não conseguia se quer ir até a sala. Como eu esperava, o telefone tocou:
- E aew!
- Fala brother.
- Vai morrer aí no apê é?
- Acho que já estou morto a muito tempo, só esqueceram de me avisar.
- Que nada! Veste uma roupa, tem festa na casa da Nanda hoje, acho que vai querer dar um pulo lá!
- Ah é? E por que eu iria querer ir?
- Não sei, de certo, no seu lugar eu iria.
- Não sei não. Nanda e suas festas não me trazem boas lembranças.
- Pára de pessimismo, já te disse, põe uma roupa que eu mesmo vou te buscar.
- Precisa não, eu passo na sua casa é caminho pra mim mesmo, você não precisa vir até aqui.
- Tá ok, quando chegar aqui me dá um toque. Até mais viadinho!!!
- Vai à merda Miguel.
Fiz algumas promessas e troquei de roupa, após alguns minutos lá estava eu arrumado e pronto pra balada. O que será que a noite iria me trazer? De certa forma, eu estava curioso para saber o que iria encontrar na casa da Nanda, o problema é que aquele bendito lugar estava próximo de um barzinho novo, ou seja, um ótimo point para os meus queridos e curiosos alunos.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Continuação do capítulo I

Coordenador Maurício Nascimento de Souza. Chegou recentemente à escola com a missão de organizar, empreender e principalmente cumprir metas. A única tarefa que ele parece freqüentemente esquecer é a de coordenar a escola. Sua meta maior: Alcançar a maior aprovação possível no vestibular, afinal de contas, qual poderia ser o maior objetivo de uma escola? Parece pequeno não é mesmo? Ali tudo era pequeno demais, e pior, também era sufocante. Por ser funcionário padrão provavelmente ganhava mal, assim como a maioria de nós. Contudo, por ocupar uma função de autoridade, afogava-se em autoritarismo. Tratava os demais com estupidez e se colocava como verdadeiro patrão da escola.  Logo que fui contratado, encarava aquilo com bom humor, divertia-me assistir aquelas demonstrações de imbecilidade.
            Ele costumava vestir um terno batido, suas limitações financeiras o impediam de ir mais além, acho até que mesmo se ele possuísse condições não teria criatividade para inovar. Com pouca instrução acadêmica, largou a universidade para se dedicar ao trabalho. Como eu disse, ele pensava pequeno. Talvez as próprias adversidades de sua vida o forçaram a se portar dessa forma. De qualquer maneira, por mais difícil que fosse a vida dele, limitar-se àquele meio era sim pensar pequeno. Talvez eu tivesse medo de acabar como ele, dependente como ele.
            As situações adversas da vida circulavam em meus pensamentos, talvez a raiva, a dúvida, o medo que mantinha dentro de mim era assistir-me projetado na figura daquele “pseudo-Bonaparte”. Será que eu acabaria como ele, dependente como ele? Não! Eu não suportaria viver daquela forma, engravatado e castrado pelos desmandos existentes naquela escola. O ambiente sufocante de outrora voltava a impregnar o ar ao meu redor. Minha cabeça estava prestes a explodir e eu ainda tinha 13 aulas pela frente, o que significava para mim como 740 minutos de muito stress e dúvidas, eu até já consegui ouvir àquelas dezenas de vozes conversando, cochichando e me analisando o dia inteiro, era como se diariamente eu fosse avaliado por eles, testado como um rato de laboratório que estava sempre disposto ao sacrifício de dar a vida inteira pelo bem-estar deles e como se fosse pouco, eu deveria fazer tudo aquilo sorrindo. Entro na sala, a aula vai começar.