Carpe Diem

E que venha a loucura

E que venha com toda a força

Força que me faça despencar das minhas próprias crenças

Crenças loucas


E que venha a fé

E que venha você

Renda-me!

Lute e enlouqueça também

Fuja da realidade

E se entregue às oportunidades...


Abandone a sua razão insana

E se afogue nesse mar de incertezas

Seja puramente profana

E que o nosso juiz seja a nossa vontade


E que o nosso controle e bom senso sejam passageiros

Viajantes de longa data

E que se percam na nossa odisséia

Na nossa aventura

Com nossa loucura

Buscando o porquê de ainda existir...

(Noturno)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

PARTE 2: BILHETE


            Quão bravo você poderia ser diante do seu grande amor? Qual seria a medida de sua coragem? De sua força? Do que você seria capaz? Abandonar o próprio filho? Largar tudo em nome de uma aventura?
            Todas essas dúvidas explodiam na mente de Pietro. O que o pai dele teria feito? Seria por isso que sua mãe o odiava tanto? Ele a abandonara? Algo não se encaixava naquela história e ele sabia que a única pessoa capaz de responder isso seria justamente aquela que ele mais temia: Dona Júlia. Fria, às vezes até um pouco calculista, mas ainda assim extremamente sagaz. Se por acaso, Pietro apenas levantasse o nome do pai, ela saberia que ele descobrira os diários e com certeza se fecharia em sua fortaleza mais implacável, o silêncio.
            Durante todos os anos que Pietro convivera com ela jamais ouvira elogios sobre o pai, na verdade ele sequer ouvira falar nele, apenas que tinha ido embora e só. Quantos “dias dos pais” Pietro passou sozinho? Quantas vezes olhou para os seus coleguinhas e percebera que havia algo de errado? O único a ir para casa sozinho... O único a não ter o que desenhar com o título de família... A infância não tinha sido fácil, a adolescência muito menos. A mãe sempre ausente mergulhada em trabalho e o pai apenas uma nuvem, uma silenciosa memória da qual ninguém ousava deslumbrar. Tudo era muito anuviado. Ninguém comentava, ninguém explicava, e assim ele ia crescendo em meio a murmúrios e suspeitas. Tudo sempre fora uma sombra e aquele diário poderia ser uma luz no fim do túnel de mistérios ao qual Pietro acostumara a conviver.
Mesmo assim, não havia muito tempo para isso, pois o trabalho se acumulava e com o vestibular estava cada vez mais próximo, para Pietro, se iniciava a pior parte do ano, onde todas as expectativas dos seus alunos se depositavam nele. Quais os assuntos cairiam? Quais questões? Não bastava lecionar o ano inteiro, se a sua revisão não fosse focada na prova, tudo que você construiu ao longo do ano iria por água abaixo. Por um lado completamente compreensível, mas por outro seria completamente martirizante.
Pietro mal sabia onde posicionar os seus pensamentos e já se via aprisionado a uma série de rotineiras obrigações. Se não bastasse tudo isso ainda havia Dalila que não parava de ligar e correr atrás do garoto. Afinal de contas, as apostas dela se direcionavam a ele, com uma boa revisão o curso estaria garantido e o dinheiro também. No final de tudo, Pietro sabia que o sistema o engolira e que seria muito difícil não ser digerido por ele.

...

Aracaju, 10 de outubro de 2012 (às 06h15 da manhã).

Mais um dia corrido. Era o que esperava por Pietro. Ainda meio desnorteado por causa dos acontecimentos recentes, o jovem professor titubeava em suas memórias e angústias. Ansioso por resolver os seus problemas e exorcizar os seus demônios internos, Pietro se enclausurava ainda mais em si e, apesar de irônico, era quando ele se mostrava mais talentoso.
As poesias e textos literários abordados por ele em sala estavam carregados de sua tristeza e tornava ainda mais verossímil o sofrimento dos românticos byronianos, as angústias dos existencialistas e as divagações de muitas outras artes. A tristeza dele o tornava suas aulas brilhantes e os alunos, ainda que presos a uma espécie de escravidão intelectual partilhavam com ele, as suas inquietações. Sua mente efusiva fazia daquele jovem professor uma explosão de ideias e reflexões. A vontade de mudar, de conquistar era clara nos olhos dele e aquela vida totalmente contida, reprimida por anos de más escolhas e temeridades reproduziam aulas extremamente profundas. Pietro incorporava os seus personagens e era ali que ele por um breve momento, ainda que curto, libertava a sua alma.
(Burburinhos de alunos)
            - Nossa que hoje ele está inspirado...
            - Finalmente né? Até pouco tempo atrás ele parecia um defunto ambulante!
            - Não fala assim dele, esses olhinhos tristes deixam ele tão fofinho, dá até vontade de pegar para criar!
            - Tenho certeza que ele pega aluna!
            - Mais fácil ele ser gay! (Risos)
            - Silêncio pessoal, não quero saber de conversa na minha aula, bora! Mergulhem no assunto!
            - Ixe! Será que ele percebeu?
- Duvido muito, ali é muito voador!
- Que história é essa que Pietro é gay?
- Sai daí pô! Isso é coisa desses meninos invejosos!
- Invejosos nada! Mal vejo em balada e quando o encontro ele está ou sozinho ou com um amigo! Atestado de gay!
- Isso não quer dizer nada!!!
- Ihhh tá defendendo demais!
- Já pegou né? Confessa!
- Nunca tive sorte!
- A irmã de uma amiga minha disse que ele é bom...
- Como assim???
- Vocês vão ficar aí fuçando a vida do professor ou vão deixar eu assistir aula?
- Ihhh parou gente, Helena começou a dar chilique!
- Deixa essa idiota aí, aposto que ela tem uma queda pelo professor! Mas vamos parar porque ele já olhou para cá duas vezes... Já já ele estoura...

Helena apenas sorriu. Um sorriso sarcástico, quase de desprezo. Não entendia como pessoas poderiam ser tão fúteis e em certa medida tão cruéis. Aqueles comentários nos ouvidos errados certamente prejudicariam o professor e numa cidade como Aracaju, não importa quem realmente você é, mas sim aquilo que falam sobre você. Mesmo sendo de fora, ela já havia aprendido as regras do jogo. Não se importava que falassem dela, mas não admitia que cometessem injustiças com os outros, especialmente Pietro. Aos olhos dela, o melhor professor da Escola. Dedicado, impetuoso e principalmente sincero. Não fazia questão de esconder suas opiniões ou de apenas concordar com os outros para agradar o público, Pietro era exatamente aquilo que se apresentava, ainda que por trás de seu brilho, houvesse uma tristeza contida. Helena percebera isso há muito tempo, no entanto, nunca se sentira a vontade para conversar com ele. Até porque, Pietro jamais abriria esse espaço para ela, provavelmente nem saberia qual era o seu nome. Então que moral ela teria de tentar ajudá-lo? E ajudá-lo como? Ela, apenas uma estudante. Ele, um brilhante professor. Bastava então, garantir ao seu modo, o respeito dos outros em relação a ele. Não era uma simples questão de protecionismo, mas sim de amizade platônica. Mas um dia, a coragem deveria brotar e com ela o silêncio seria rompido.

- Bem galerinha, como o meu tempo acabou, nos vemos na próxima aula ok? Não se esqueçam de fazer as devidas atividades de casa. Até mais.

Os alunos mal escutam Pietro e saem aos montes, descendo as escadas, empurrando uns aos outros, o que importava era ir para casa, buscar o descanso e a nova balada. De certa forma, Pietro ainda se sentia um garoto e assistia de camarote aquela cena, mesmo sob a ótica de professor adulto, talvez ele lembrasse um tempo que fosse menos infeliz, onde a angústia e preocupação repousasse apenas nos sermões de Dona Júlia.
Estático e pensativo, Pietro mergulhava mais uma vez na sua melancolia, talvez o dia lhe trouxesse respostas, ou simplesmente mais perguntas. Cansado e sozinho Pietro não percebera que havia deixado seu precioso diário em cima da mesa, sua última anotação estava à mostra em forma de bilhete, preso entre as páginas de seus escritos, fruto de seus devaneios madrugais

Hoje eu acordei com uma vontade danada de conquistar o mundo
De fazer acontecer e conhecer coisas novas
Descobrir
Sentir
Viver...
Mas então lembrei que precisava dar aula.
Desistir de todos os meus doces sonhos
Levantei
Fui trabalhar!

Aquele diário seria um prato cheio para as fofocas estudantis, no entanto, uma mão delicada e compreensiva o salvou...

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