Parte 1: Angústia
Fria. Sua mensagem
transmitia um ar formal, semelhante a uma convocação ou a uma exigência. Aquilo
não era do feitio de Alice, pelo menos não da Alice que eu conhecera,
possivelmente os anos devem ter transformado-a em outra pessoa, outra mulher. O
que ela esperava de mim? Eu mal poderia imaginar, mas naquele momento pensei
que teria sido melhor se a mensagem pertencesse a Dalila.
As palavras contidas na
mensagem me conduziram para um estado de paralisia. Meus pensamentos, meu
raciocínio, tudo suspirava o nome Alice... Esse nome era um fantasma que me
atormentava desde adolescente, e eu sabia que nada havia ficado no lugar com o
retorno dela a Aracaju, algo dentro de mim tinha desmoronado com o encontro no
Casarão. O que não esperava era ela querer conversar comigo, meu Deus... O que
ela poderia querer? Não estava preparado para isso, e tinha plena convicção que
toda essa situação estava fora do meu controle, mal imaginava o que poderia
dizer a ela ou o que ela pretendia dizer para mim.
Caminhei para o carro
trocando os passos, confuso, não sabia se deveria retornar ou apagar a
mensagem. A ansiedade de querer revê-la se misturava ao temor de ter que
confrontar os meus próprios demônios. Era como se os erros do passado
retornassem para cobrar a sua cota, e no fundo, eu sabia que teria que pagar
essa conta uma hora ou outra. Arranquei o carro e mal dei boa noite as pessoas
que estavam ao meu redor. Suava frio e a cada parada no sinal olhava para o
celular desejando que nada daquilo estivesse ali, tudo bem, uma parte de mim
queria, mas não daquela forma. Confrontar Alice, conversar com ela, foi tudo
que eu sempre quis durante anos e agora que eu tinha essa oportunidade,
simplesmente não sabia o que fazer. Nunca um celular fora um martírio tão
grande, uma dúvida que me fazia se sentir um inexperiente menino. De fato,
Alice não era mais Alice, ela era um anjo negro que com um belo sorriso viera
cobrar os meus pecados, estava na hora de encarar essa realidade.
Mesmo assim, algo
dentro de mim discordava de toda a minha suposição. Não sei bem ao certo, mas o
temor que aquela mensagem me causara não era só motivado pelos problemas que
tive com Alice no passado. É difícil explicar, mas algo estava estranho. Ela
não era de mandar recados! Não dava para entender. E se assim o fosse, por que
ela não me procurou antes? Poderia ter feito isso através de Miguel. Pronto!
Ligar para Miguel e me informar sobre tudo era uma excelente ideia! Como não
pensei nisso antes?
O telefone toca. Uma,
duas, três e até quatro vezes... E como esperado, ele não atende. Será que
estaria envolvido nisso? Será que esse era mais um plano para me aproximar de
Alice? Ou poderia ser algo pior... Do jeito que ele tem a “boca grande” poderia
ter soltado algo para ela, poderia ter contado sobre o meu isolamento, minha
solidão após a sua partida. E se isso tivesse tocado ela? Se ela agora
estivesse disposta a me ouvir, dar-nos uma segunda chance? Só de pensar isso eu
já me enchia de esperanças. Não! Eu não poderia me permitir a sentir isso outra
vez, entretanto, todos nós sabemos que isso é inevitável, não é?
Nem percebi e já estava
estacionado no meu condomínio. Os últimos dias tem se tornado flashs na minha
vida e a sensação que eu tinha era que tudo acontecia de uma maneira que eu me
sentisse sonhando dentro de outro sonho. Alice, Dalila, trabalho, vida... Eram
tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, e mal sabia como administrar tudo
isso, digerir toda essa confusão e angústia sentimental. Nos quase 40 minutos
que levei para chegar em casa só estive consciente no máximo por uns dois,
totalmente mergulhado em minhas dúvidas não sabia ao certo que decisão tomar.
Era engraçado, no mínimo estranho, mas sempre que eu precisava tomar uma
decisão era algo que tinha que ser na “bucha”, no “vai ou racha” e azarado do
jeito que era... As coisas na maioria das vezes acabavam rachando. É meu amigo,
existem coisas que só acontecem comigo.
Mergulhei no chuveiro
esperando que a água limpasse minha mente e transportasse com ela os meus
medos, os meus anseios e as minhas angústias. Contudo, o celular continuava
ali, com pontos piscando para demonstrar que existiam assuntos não resolvidos,
dúvidas não esclarecidas. Tentei não olhar, tentei esquecer, mas era
impossível, pareciam marretas ribombando em meus pensamentos. Tentei comer e
até dormir, mas nada e ainda eram 8 da noite. Liguei a televisão e passeei
pelos canais, para o meu desespero não encontrei nada, caminhei pelo quarto,
pela sala e como era de se esperar o apartamento ficou ainda menor, a sensação
de sufoco voltara e meu corpo já começara a transpirar. Peguei o celular e
resolvi acabar com essa “porra” de uma vez. Mas antes de apertar a primeira
tecla joguei-o no chão... O que eu iria dizer a ela? O que iria falar?
Não
aceitava ter tanto medo assim. Por que estava me sentido daquela maneira? Por
que tanto medo? Peguei o celular novamente, disquei os números, cada tecla
soava para mim como um caminho sem volta, restava apenas o último ato, uma
última tecla. Desliguei mais uma vez. A indecisão circundava a minha mente e
esse ir e vir, ligar ou não ligar me deixava alucinado. Tentei beber água,
precisava me acalmar, puta que pariu! Era só uma ligação e eu estava daquele
jeito e imagine se estivesse diante dela. Mas não, eu precisava resolver
aquilo, não podia aguardar mais, corri para o celular e disquei tudo de novo
sem pestanejar, restava a última tecla, bastava aperta “send” e colocaria um
fim naquilo. Meus dedos tremiam a cada milímetro de aproximação, era só um toque,
bastava isso. Contudo, o celular dispara na minha mão, o número não era
estranho, restava atender. Seria ela? Cansada de esperar, estaria dando o
primeiro passo? Bem, só havia uma forma de descobrir isso!
-
Alice?
-
Pietro! Até quando pretende fugir de mim? E não, eu não sou Alice. Não
reconhece mais a minha voz?
-
Desculpe-me, quem é?
-
Vejo que a nossa sociedade precisa amadurecer. Encontre-me as nove no hall do
Hotel Radisson. Teremos uma reunião emergencial hoje.
Dalila.
Não sabia se esse nome indicava frustração ou temor, de um jeito ou de outro
ela sempre vencia e como de certa forma eu já esperava, mais uma vez me via
envolvido nos planos dela. O que fazer? Bem, não restavam muitas opções. Ao
menos, eu adiaria o assunto Alice por algumas horas.
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