Parte 2: Surpresa?
A
chuva continuava a cair, e misturada à noite parecia anunciar que ainda
existiam surpresas por vir. Não poderia concentrar meus pensamentos em Alice, pois
havia um problema muito maior para ser solucionado, mesmo assim, era muito
difícil não pensar nela.
Enfrentar Dalila seria
algo completamente novo para mim. Eu sempre admirei a perspicácia dela, uma
mescla de beleza, inteligência e sedução, e acredite quando eu falo capacidade
de sedução, eu me refiro a um poder incrível de conquistar tudo aquilo que ela
deseja. Começou muito nova na Escola e soube como ninguém desvendar as manhas e
segredos daquele lugar, bem articulada sempre alcançou os seus objetivos e
rapidamente deixou de ser professora do ensino fundamental para se tornar
membro da equipe da tão disputada turma de medicina. Dalila sabia jogar e de
certa forma, quando eu entrei na Escola me espelhava nela para crescer. O mais
irônico é que o destino agora nos pusera numa situação onde ambos tentariam
usar um ao outro para alcançar os seus objetivos. Mestre e discípulo se
enfrentariam muitos feridos seriam formados nessa batalha, talvez eu fosse um
deles, talvez...
A capacidade de
manipulação de Dalila era incrível. Ela era a única que faltava quando queria o
trabalho, escolhia as turmas que lecionaria e tinha atendimento vip do nosso
ilustríssimo e patético coordenador. De certa forma eu entendia como ela
conseguia isso, mas nunca procurei me aproximar demais dela, como disse, Dalila
era muito perigosa. O mais estranho era que eu não conseguia vê-la apenas como
vilã, às vezes me divertia com a forma que ela ridicularizava o coordenador
Maurício Nascimento sem que o imbecil sequer notasse isso, mas também percebia
que ela tinha capacidade de fazer isso com qualquer um. É meu amigo, ninguém é
totalmente bom ou totalmente mau, carregamos dentro de si, anjos e demônios
prestes a agir. A sua influência sobre as decisões da diretoria impressionavam
a todos, a forma como ela e Eva se tratavam era algo no mínimo estranho, talvez
Eva fosse a única ali capaz de vencê-la e talvez fosse isso que Dalila temesse,
daí buscar reforços, se é que eu pudesse ser visto assim, para enfrentar a
onipotente diretora.
Será que Dalila
percebera as minhas intenções? Será que ela desejaria usar a minha raiva ao seu
favor? Ainda assim, eu tinha plena convicção de que não ofereceria perigo a
Escola, por que então me escolher? Eram muitas perguntas e nenhuma resposta.
Somente aquela reunião poderia acalmar os meus nervos.
Outra marca de Dalila
bastante presente era o seu gosto por coisas extravagantes. Ela adorava
requinte e luxo, acredite, a escolha pelo hall do Hotel Radisson não foi
aleatória. Ela gostava daquilo, imprimia a si mesma uma condição que no fundo
tentava diferenciá-la dos demais, a riqueza. Acontece que ela tinha basicamente
a mesma origem que nós, então por que tanta extravagância? Talvez isso pudesse
ser uma arma utilizada contra ela. Isso mesmo! Ela poderia ser derrotada pelo
sua ambição. Restava a mim, manipulá-la a esse ponto e com isso, sair de uma
vez por todas daquele mundo. Desafio fácil não é mesmo?
Estacionei o carro, o
hotel está diante de mim, e ainda assim eu continuo paralisado pelas minhas
dúvidas, sufocado pela minha mente e angústias, Alice não me sai da cabeça e
Dalila está diante de mim, aguardando friamente a minha chegada. Ainda não
consigo vê-la, mas posso senti-la bem próxima de mim. Aguardo alguns vários
minutos, ensaio falas, planejo, penso, entretanto isso é completamente em vão.
Lá estava eu, diante de uma das pessoas mais inteligentes que já conheci,
prestes a enfrentá-la e ainda assim não sabia absolutamente nada, muito menos
como agir. O tempo passa, o carro me sufoca e a expectativa criara em torno de
mim um ar pueril, sentia-me como um animal preparando-se para o abate. O
celular vibra e interrompe minha pseudo-concentração, é ela... Eu sei. Não há
mais como evitar, preciso descer e acabar logo com isso.
- Por acaso está vindo
de ré?
- Eu já cheguei. Onde
você está?
- No mesmo lugar que
nós marcamos a 1 hora atrás.
A irritação em sua voz
demonstrava uma certa fraqueza. Dalila sempre teve tantos sob o seu controle, e
eu era o único que até então jamais o estivera. Talvez isso acabasse hoje, talvez
eu me tornasse mais um dos seus lacaios. Seria realmente esse o caminho
correto? Muitas dúvidas, poucas certezas. Já estava me habituando a isso. Se ao
menos eu soubesse quais eram as estratégias dela... Se eu pudesse descobrir os
seus reais planos... Enfim, aquilo não seria possível, pelo menos não naquele
momento. Era preciso enfrentá-la ou simplesmente me mostrar disponível para os
seus objetivos.
Caminhei alguns passos
e logo estava dentro do Hotel, toda aquela opulência um dia já me serviu como um
banquete de ilusões, mas naquele momento, representava para mim apenas facetas
de uma realidade repleta de contradições. Dalila gostava disso, sentia prazer
em ter poder, aquela sensação para ela era talvez melhor do que sexo, e era
possível perceber isso nos seus olhos. Cada ordem, cada subordinado que
passasse pelas mãos dela conhecia exatamente o seu perfil, a mulher gostava de
mandar e demonstrar isso através da riqueza era uma de suas formas favoritas.
Estar ali, naquele ambiente repleto de empresários a fazia se sentir membro
honorário da alta sociedade aracajuana, eu não conhecia bem a história dela,
meu primeiro passo seria esse. Contudo, era preciso oferecer a minha alma para
ela como barganha pela minha independência.
- Senhor?
- Pois não?
- A senhorita Dalila o
aguarda na sala de reuniões. Queira-me acompanhar.
Era incrível. Ela
preparara tudo, eu tinha absoluta certeza que ela criara aquele ambiente para
me impressionar, ao certo Abel no meu lugar já estaria igual a um pequeno
poodle servindo e agradando a sua senhora, eu podia até imaginar a cena. Não
cairia nisso, não me deixaria iludir mais uma vez. Não sou mais o garoto que a
Escola conseguiu seduzir.
Dirigi-me ao elevador
panorâmico acompanhado pelos funcionários do hotel. Foram oferecidos drinks e
uma série de mimos que eu não aceitei, queria estar bem lúcido diante dela. E
não seriam bebidas e guloseimas que tirariam meu foco. Minha mente começava a
se direcionar para o diálogo com ela e eu já quase me sentia preparado. Afinal
de contas, o que ela poderia fazer? E mal desci do elevador e já me sentia o
próprio Júlio César ao entrar em Roma.
- Queira-me seguir,
senhor. A sala é logo ali.
Estou diante da porta.
A hora é agora, não há mais como voltar atrás. Eu negociaria com ela, envolver-me-ia
num outro investimento por três anos. Esse era o tempo que eu precisava para
juntar a grana necessária e cair fora daquele mundo, se Dalila iria lucrar com
isso, pouco me importa. Se a Escola iria perder com isso, que seja, desde que
no final de tudo eu pudesse sair daquilo. Girei a maçaneta fria, minhas mãos
não tremiam mais, contudo ainda estavam suando, respirei fundo e entrei...
- Que demora hein
Pietro? Eu e minha advogada já estávamos quase indo embora!
- Advogada? Alice?
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