Parte 3: A mensagem
O
sinal tocou e de qualquer maneira eu já me sentia incomodado de estar na sala
dos professores, sentia-me constantemente vigiado. Subi os degraus com
velocidade e parti para a aula, de certa forma, mergulhar em autores já
falecidos me libertava do cotidiano, a aula me tornava livre e por mais que
viesse a odiar estar na escola, lecionar era para mim um suprimento necessário
para a vida. Na maioria das vezes, os alunos estavam muito mais preocupados com
o show do final de semana do que abordagens culturais. Não os culpo. É da idade
e eu também já fora assim um dia, contudo, dentro de mim acreditava que poderia
despertar naqueles meninos uma educação para a libertação. Muitos ali mal
sabiam o caminho árduo que estava por vir, outros tantos já tinham esses
caminhos traçados pelos pais, mesmo assim, eu continuava a duvidar que eles
estivessem satisfeitos com isso.
A verdade é que de
certa forma, transformamos aqueles meninos em robôs dedicados a estudar, comer
e na maioria dos casos, reclamar. Eu fizera parte daquele complô, mesmo me
recusando a admitir isso, e talvez por isso buscasse agora nadar contra a maré,
lutar contra o sistema ainda que isso significasse o meu fim. Eu iria perder,
estava destinado a isso, ainda assim acreditava piamente que a minha queda não
seria em vão. Ainda não sabia o que fazer nem muito menos o que fazer, mas já
tinha certeza que o canal para tudo seria Dalila, aquela ideia ainda rondava os
meus pensamentos. A dúvida maior então era: Eu seria capaz de manipular Dalila
e Abel contra a escola? E o que eu pretendia fazer? Denunciar um sistema do
qual eu mesmo fazia parte? Quanto mais eu buscava respostas, mais dúvidas se
insurgiam contra mim.
Naquela
tarde Dalila meu cercou com o seu olhar, evitei estar próximo dela, mesmo
sabendo que jamais conversaria comigo na escola. Ainda assim, aqueles olhos
penetrantes me interrogavam sobre a minha decisão, olhar para ela seria
denunciar as minhas intenções. Dalila era melhor do que eu, mais inteligente,
mais perspicaz, extremamente objetiva, e eu simplesmente não sabia como lidar
com isso. O que fazer? A priori, evitá-la completamente. Sabe como é né? Se não
pode enfrentar o inimigo, fuja ao máximo dele!
Fim
da tarde, última aula, bastava terminar o assunto, fazer aquela revisãozinha
básica e rumar para o meu apartamento, ou como Miguel diz, a “Fortaleza da
Solidão”. De fato era, mas com o tempo, fui me habituando a isso. Durante a
aula não pensava em outra coisa senão fugir de Dalila, para isso, era mais do
que necessário desligar o celular. Copiei o assunto, expliquei e revisei
constantemente, na maioria das vezes, o segredo estava na repetição e nas dicas
dentro das questões, bastava isso e alguns termos teatrais para torná-lo uma
estrela da licenciatura. Medíocre? É o que eu venho tentando dizer...
A
aula acaba e me dirijo para o mezanino com um único objetivo: ir embora o
quanto antes. Contudo, uma aluna me pára com dúvidas longas e extremamente
interessantes. Mal tinha notado aquela menina na sala, mas diante das perguntas
dela percebi que não eram dúvidas simples e há muito tempo ela provocou algo
que não sentia: Curiosidade. A chama intensa do conhecimento, toda a humanidade
dependeu dela para prosseguir e sem isso, seríamos meros macacos de
laboratório. Se o objetivo era ir embora rápido, bem, este fracassou. Contudo,
depois de muito tempo, eu me senti necessário, não me importava mais se Dalila
iria ligar, até porque dificilmente eu atenderia, a vida tem dessas coisas não
é mesmo?
Quando pensamos que
estamos fadados a uma rotina desprezível algo acontece e revoluciona a sua
história e depois de quase uma hora tirando dúvidas e conversando sobre dezenas
de autores e livros, eu queria mais, mesmo assim, não foi o meu telefone que
interrompera aquela descoberta inusitada, no melhor do debate, ela precisou ir
embora e de certo, era até melhor, pois professor e aluna, muito tempo em um
mesmo espaço sempre dá o que falar. Despedimo-nos e prometemos novos debates e
o que restou daquilo tudo foi o olhar dela, não entendi bem, mas acho que
queria me dizer algo mais.
Dirigi-me
ao elevador e eu já tinha muitos problemas para resolver, um deles me
espreitava em busca de respostas, a resposta. Enquanto aguardava a chegada do
elevador, notei a chuva lá fora, adorava o som da água caindo no asfalto,
aquele som me transmitia uma sensação de purificação, de transparência, era
como se eu pudesse limpar minha alma de todas aquelas dúvidas que a cercavam.
Os instantes que antecediam o elevador pareciam eternos e a tranquilidade que a
chuva me transmitia ia se esvaindo no momento em que eu voltava a realidade.
Pensava como a minha vida possuía, em diferentes etapas, marcos específicos.
Dalila, Alice, Dona Júlia, Nina, todas elas mulheres que ocupavam a minha mente
escravizando-a em preocupações e naquele instante, eu notara que tudo que havia
realizado na minha vida estava de alguma forma relacionado a elas, mas o pior era
constatar que há muito tempo já não era mais senhor de mim, e que talvez nunca
o fora.
As
portas do elevador se abrem, ele está vazio, também pudera! Eu era um dos
últimos a sair da escola, sempre mergulhado em dúvidas e tarefas burocráticas
como preencher cadernetas, corrigir provas e aturar reuniões de emergência.
Aliás, se existe algo que é banalizado no ambiente escolar é a palavra
urgência. Tudo é realizado com enorme pressão como se todo o universo fosse
cair sobre a sua cabeça se tal nota ou tal boletim ou tal apostila não saísse
no prazo específico os próprios arcanjos do apocalipse desceriam dos céus para
te cobrar, ouvi dizer certa vez que foram buscar o resultado de uma prova no
quarto de hospital, onde o professor se recuperava de uma leve cirurgia.
Eu até entendo a
importância de se respeitar prazos, mas a forma que esse respeito ou temor era
adquirido apresentava-se para mim como algo completamente desnecessário. A
sensação presente era que todos deveriam se sentir constantemente ameaçados e
na minha visão aquilo era interessantemente estratégico, pois sob ameaça,
ninguém questionaria os problemas internos da escola, ou seja, seus péssimos
salários, o assédio moral, a incômoda relação entre alunos, pais e professores
e, sobretudo, a sua estrutura pedagógica pautada numa segregação intelectual e
simbólica, onde os alunos são iguais, mas uns eram mais iguais do que outros,
principalmente se fossem fortes candidatos para o curso de medicina.
Faltava
pouco para chegar ao térreo, e eu já cansado queria apenas sair dali e me jogar
na cama, esquecer tudo aquilo nem que fosse através do meu curto sono. É bem
verdade, que uma mente intranquila não dorme direito e tranquilidade era uma
coisa que não me visitava a muito tempo. Ao sair da escola me despeço de alguns
alunos e funcionários e dirijo-me para o meu carro, noto que meu celular
sinalizava uma mensagem de texto, imaginei logo que fosse Dalila, mas para o
meu temor era algo muito pior, no mínimo inesperado:
-
“Quando puder entre em contato, precisamos conversar. Ass: Alice”.
Fim do capítulo 7. Aguardem, semana que vem teremos novidades!!!
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