Carpe Diem

E que venha a loucura

E que venha com toda a força

Força que me faça despencar das minhas próprias crenças

Crenças loucas


E que venha a fé

E que venha você

Renda-me!

Lute e enlouqueça também

Fuja da realidade

E se entregue às oportunidades...


Abandone a sua razão insana

E se afogue nesse mar de incertezas

Seja puramente profana

E que o nosso juiz seja a nossa vontade


E que o nosso controle e bom senso sejam passageiros

Viajantes de longa data

E que se percam na nossa odisséia

Na nossa aventura

Com nossa loucura

Buscando o porquê de ainda existir...

(Noturno)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Continuação do capítulo II

À noite tudo parecia mais tranqüilo, a calmaria dos ventos que batiam no meu rosto fazia-me perder em devaneios e expectativas. Através da janela do carro, eu assistia quieto e em silêncio o baile de mendigos, travestis e prostitutas, que desfilavam em um enorme palco freqüentemente utilizado como avenida.           Eu sentia o belo e grotesco, ambos unidos em uma contradição sem fim. A existência humana tem dessas coisas, é necessário que sejamos contraditórios para que possamos ser nós mesmos. Durante todo o percurso, aquela solidão diariamente sentida no almoço voltava a me fazer companhia e algo intensamente profundo me revelava que eu estava à caminho da minha destruição, a dúvida no entanto, era saber o que sobraria para destruir, eu já não me conhecia a muito tempo.
- Pietro?! Pietro?! Tá dormindo porra?!
- Que é? Já bateu saudade foi?
- Porra a gente tá indo curtir e você com essa cara de bunda olhando pro nada! Que foi? Gostou de alguma “menininha” foi?
- Não não, essas eu deixo para você.
- Anima aew! Nanda me disse para ir buscar ela!
- Como assim buscar? A festa não era na casa dela?
- Era! Do verbo não será mais! O pessoal resolveu se reunir no Casarão.
- Putz! No Casarão não! Por que você não me disse?
- Porque eu sabia que você teria essa mesma reação.
- Claro! Você queria que eu reagisse como?! Aquele lugar é infestado de alunos, assim que eu pisar lá, aquela gurizada vai ficar me olhando, me analisando, como se eu fosse o próprio E.T de Varginha!
- E não é que parece?!
- Ah Miguel vai se arrombar!
Alunos. Talvez não exista grupo social mais crítico, cruel e investigativo. Possuem o hábito de misteriosamente saber tudo sobre a vida alheia e é claro fazerem deboche dela. Julgam, recriminam, criticam, expõe, intimidam, enfim, transformam sua vida em um pesadelo. Basta você ir a um show e já surge o comentário: “o professor é rajador”, se usamos uma camisa diferente: “Comprou roupa nova hein?”, se repetimos uma roupa: “E tá de farda é professor?”. E olhe que eu nem entrei em coisas mais íntimas, como por exemplo, uma namorada, ou um amigo mais próximo. Às vezes eu perguntava o porquê daquilo tudo, o porquê daquela obsessão sobre a vida alheia. Eles simplesmente não lhes deixavam viver, essa conclusão era para mim como algo gritante, ensurdecedor. E a dúvida que restava era se eles tinham vida útil ou se a vida deles era se ocupar exatamente das nossas vidas. Nunca imaginei que ser professor era delegar aos alunos o direito de intervir na sua vida como quiser, até porque acredito que a vasta experiência de jovens adolescentes não poderia contribuir muito na resolução da minha crise existencial, talvez o melhor mesmo, fosse seguir as idéias de Miguel e mandar todos à merda. Contudo, o jogo não funciona assim, é necessário possuir máscaras para sobreviver, e se você as tem, use-as sem moderação.
Eu já respirava fundo naquele momento. Não sabia se me jogava pela janela e fugia ou se empurrava Miguel por uma delas e satisfazia a minha fúria desejosa de vingança. Aquela revelação feita pelo meu nobre amigo, não apenas me irritava como me deixava temeroso, minha velha mania de autocontrole, de me iludir em acreditar que posso dominar qualquer tipo de situação me anunciava que justamente aquela estava totalmente fora do meu âmbito de segurança e poder. O dia já tinha sido péssimo e a noite não aparentava ser das melhores. O carro pára, Nanda entra, e eu é claro, já ataco com centenas de indagações:
- Você quer o meu mal não é mesmo? Confessa! Aproveita e fala pro Miguel, aliás, nem fala, esse pilantra com certeza está envolvido nessa armação!
- O que o bebezinho já está reclamando hein Miguel?
            Miguel se afogava em risos e mal conseguia responder. Entre um balbucio e outro ele explica toda a situação a Nanda que para variar também rir de mim...
            - É meu amigo, a vida é dura! Isso é que dá não estudar, acabou virando professor!
            - Muito engraçado Nandinha! Você fala assim porque não vai ser a sua pessoa que estará sendo apontada e pior, ficar vigiado a noite toda, é foda!
            - Pára de paranóia Pietro! Você não é nenhum popstar, os guris comentam, observam e depois param. E mais a festa na minha casa não iria dar certo.
            - Por que não?
            - Depois eu te explico, garanto que terá uma surpresa. O mundo é bem menor do que você imagina.
            - Como assim surpresa?
            - Relaxa e fica calado...
            - Isso é deprimente Pietro, você fica se preocupando com opinião de aluninho cara, esquece isso.
            - Muito fácil falar, Miguel. Muito fácil falar.
            Provavelmente Miguel não sabia o que me custava sustentar uma máscara. Fingir algo, assumir posturas, dar exemplos, ser o pai que aqueles aborrecentes não tiveram durante a sua criação. Na minha concepção era quase uma anulação pessoal em detrimento de uma imagem, e eu já não suportava mais aquele jogo, aquele teatrozinho barato, onde os vilões são o que apresentam o ser e os heróis aqueles que apresentam o ter. Numa cidade onde travestis, prostitutas, mendigos e crianças faziam da avenida principal o palco para as suas grandes obras artísticas, a boa sociedade, aquela composta pelo alunado que eu leciono, preocupava-se com coisas mais sérias e importantes, não poderia perder tempo com as amenidades da vida, era mais importante apresentar e exibir a sua boa condição financeira, ou melhor, a boa condição financeira de seus pais. Isso sim era deprimente. De qualquer maneira, já que não tinha mais volta, a alternativa era por a máscara e seguir à risca o que uma antiga frase já dizia: “Quando se cai na lama, o jeito é deitar e rolar...” Meio corruptível essa frase, mas com certeza ela era a síntese daquele ambiente. A Escola se tornara a cidade e a cidade, reflexo fosco da Escola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário