Carpe Diem

E que venha a loucura

E que venha com toda a força

Força que me faça despencar das minhas próprias crenças

Crenças loucas


E que venha a fé

E que venha você

Renda-me!

Lute e enlouqueça também

Fuja da realidade

E se entregue às oportunidades...


Abandone a sua razão insana

E se afogue nesse mar de incertezas

Seja puramente profana

E que o nosso juiz seja a nossa vontade


E que o nosso controle e bom senso sejam passageiros

Viajantes de longa data

E que se percam na nossa odisséia

Na nossa aventura

Com nossa loucura

Buscando o porquê de ainda existir...

(Noturno)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Continuação do capítulo 7


Parte 2: Feira de vaidades

            Após um almoço extremamente indigesto, retornei para o trabalho. A escola não pára, a máquina não pode parar. Todo o sistema circula em torno de aprovações, principalmente se elas forem em cursos considerados de elite, não basta educar... O objetivo não é esse, o foco da escola é Medicina. O nome por si só carrega em torno de si um peso, eu diria um fardo. Os alunos são postos em preparação ainda no ensino fundamental e são convencidos durante anos que a melhor escolha da vida deles seria a formação médica. Assim, eles são mimados e ao mesmo tempo cruelmente cobrados. Os mimos são acompanhados de horas e horas de cobranças e estudos, horários são elaborados, provas específicas, até turmas específicas são criadas para essas pobres almas que, na maioria das vezes não sabem se quer onde estão sendo envolvidos.
            Tudo faz parte de um imenso sistema que envolve marketing, disputa por mercado e é claro dinheiro. Quando aluno, o sistema já era assim e agora que eu participava do dele percebia isso com muito mais precisão. Todo o sistema educacional fora moldado para isso, é triste e possivelmente decadente, mas são as regras do jogo e se você não participa, o jeito é se omitir e sair gradativamente do mercado. Era o que eu tentava fazer, contudo, a omissão também é uma forma de sujeição e eu já não sabia o que estava fazendo. Provavelmente era tão manipulado quanto os meus alunos, apenas não entendia ainda qual era exatamente o meu papel nesse teatro de ilusões.
            Difícil era perceber como com o passar do tempo as pessoas iam internalizando essas características. Professores, alunos, pais, ninguém estava isento. Justamente por isso que ninguém era totalmente culpado. A sociedade representada pelos pais somente valorizavam as escolas que aprovavam mais em medicina, os professores acreditavam que ser valorizado é estar na turma de medicina e para os alunos, os mais prejudicados nisso tudo, professor bom é aquele que acerta mais questões e que leciona na turma de medicina, o interessante é que alguns alunos já se consideravam até diferentes pelo fato de estarem nessas turmas. O mais engraçado é que a escola manipulava essa feira de vaidades, estabelecendo valores diferenciados de pagamentos dos professores, formas de tratamento e até mesmo homenagens em confraternizações, acreditem... Beirava ao patético. Isso sem falar nas estratégias para adquirir boas notas no rank nacional de qualidade escolar. O esquema era simples: a Escola sabia que se os alunos de baixo rendimento participassem das avaliações de rankeamento do sistema educacional prejudicaria a colocação dela no resultado do Governo. Resultados ruins equivalem a péssimas matrículas no ano seguinte, para maquiar essa realidade e garantir um bom marketing no principal outdoor da cidade, bastava marcar uma prova de recuperação no mesmo dia das avaliações governamentais. Assim, apenas os alunos de bom rendimento fariam as provas e dessa maneira a imagem de que a Escola produziria um ensino de qualidade era construída...
            Nos dias que eu almoçava na casa de Dona Júlia ganhava como brinde dois desprazeres. O primeiro era ter que vê-la, algo bastante detestável para mim, o outro era chegar mais cedo na escola. Como de praxe esperava o início da minha aula na sala dos professores e acreditem, ali era o ambiente mais perigoso daquele lugar. Certa vez, ouvi dizer que a vida é uma selva, pois bem, se isso for realmente verdade, eu era um lobo no meio de leões. Professores são seres extremamente interessantes. Não entrarei no mérito de julgá-los pelas suas ações, mas torná-las públicas é o suficiente para qualquer julgamento.
            Dentre todas as peças da escola, os professores são aqueles mais importantes e ao mesmo tempo mais desprezados. Importantes porque são eles que determinam o valor da escola e a sua importância em aprovações, entretanto, ao mesmo tempo são postos em condições de mediocridade por tanto tempo que eles próprios se tornam medíocres. A disputa é acirrada, todo professor e eu mesmo me incluía nisso, precisava de certa quantidade de elogios dos alunos, aquilo garantiria a sua permanência no emprego. Tudo bem, até aí é completamente compreensível buscar esses elogios, mas manipulá-los? Usá-los contra os próprios colegas de trabalho? E tudo isso por alguns reais a mais na hora aula???
            Tudo começava com a própria divisão dos conteúdos a serem lecionados. Os professores mais próximos da coordenação conseguiam assuntos que seriam de maior apreço ou preocupação do aluno, os mais distantes ficavam com os piores. Com o passar do tempo a repulsa ao conteúdo se direcionava ao professor. Bem, isso era o de menos, supervisores e coordenadores tentavam transmitir a classe professoral um suposto feed-back que nada mais era do que terrorismo, “turma tal não está gostando da sua aula”, “prova tal não se adéqua ao modelo da escola”, “existem pais criticando o seu trabalho”. No fim, algumas críticas tinham até fundamento, mas o quadro pintado era muito mais trágico do que parecia ser. O objetivo disso? Deixar todos inseguros. Pessoas inseguras são alvos fáceis de dominar e de se sujeitar a quaisquer intransigências. No final das contas, todos saíam perdendo, menos a escola. A pressão era muito grande e fora criada para ser assim.
            De outro lado, ainda que distantes e não menos responsáveis estavam os pais. A vida agitada dessas pessoas praticamente as obrigou a deixar para escola todas as obrigações sobre a criação dos seus filhos. Ausentes, tentavam acompanhar de longe o amadurecimento das crianças, que ocorria de maneira extremamente desordenada e na maioria dos casos, confusa. A falta de tempo era recompensada por bens materiais que tornavam o entendimento de vida desses meninos em algo extremamente superficial ou simplesmente comprável. É claro que alguns poucos se sobressaíam a isso, mas era muito difícil, em alguns casos até a escola estimulava esse comportamento. O filho de Dr. X jamais poderia ser contrariado e caberia ao professor adequar sua aula aos desejos do garoto, mesmo porque se existe algo que as pessoas entendem muito bem é educação, não é mesmo?
É bem verdade, que alguns professores buscavam tirar proveito disso, aproximar-se do menino significava aproximar-se dos mais abastados meios sociais. Tudo faz parte do jogo, tudo é uma selva e nessa feira de vaidades, alunos se tornam clientes numa ciranda sem fim, onde não há culpados e vilões, apenas, tristes vítimas.

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