PARTE I: O despertar
Aracaju, 1985
Era
tarde e Otelo ainda não retornara para casa, a tentação de um encontro às
escondidas com Júlia valeria o sacrifício de alguns dias de castigo. Ele um
jovem músico que possuía mais sonhos do que posses, ela uma jovem estudante de Medicina
que possuía mais posses do que sonhos. Como já era previsto, o romance não
daria certo, mas ainda assim ele a desejava e no fundo sabia que ela o correspondia.
Após
um dia inteiro de planos mirabolantes, Otelo e Júlia decidiram se encontrar na
Acústica da Universidade, para conversar, sentir um ao outro, descobrir que
aquilo não era ilusão, simplesmente às escondidas, deixar o amor fazer a sua
parte. Ele sabia que a aula dela acabava por volta das dez, então era só pegar
a bike e ir direto da escola para a UFS, talvez o perigo oferecido pela noite
poderia ter feito com que ele mudasse de ideia, mas a vontade que nutria de
simplesmente ouvir o sorriso daquela menina era impressionante. A força que ela
exercia sobre Otelo era deslumbrante e ele já não era mais senhor de si,
deixava-se guiar pelas promessas de um sentimento que ninguém nunca soube
explicar ao certo.
É
interessante como nós seres humanos perdemos o controle sobre si tão facilmente
basta um olhar e tudo cair por terra. Foi assim com Otelo, estudante
secundarista, 17 anos, que tocava violino na Praça da Catedral para inteirar
alguns trocados e com eles suportar as dificuldades de uma vida honestamente
humilde. Numa certa manhã, dessas que amanhecem por aí, enquanto mergulhava
seus sonhos na poesia musical algo o tirou de si. Uma garota, para ele muito
mais que isso. Júlia, 18 anos, recém-aprovada no vestibular que mesmo
descrente, foi a missa para cumprir a promessa feita a mãe: ir a Igreja para
agradecer. E como se já estivesse previsto, não entrou na Igreja naquela manhã
e mesmo sem ter cumprido a promessa feita a mãe, com certeza ela cumprira os
desígnios religiosos. Não há nada mais divino do que o amor e foi através da
música de Otelo e a descrença de Júlia que aquele confuso e conturbado amor
começou.
Todas
as vezes que ele se lembrava daquele dia seu coração apertava e fazia valer
cada pedalada, cada bronca, qualquer coisa para estar com ela. Nenhuma
diferença se fazia valer entre eles, era tudo tão momentaneamente belo que mais
parecia um sonho. E como todo sonho está destinado a acabar, o de Otelo não
seria diferente.
Não
demorou muito para que a mãe dela descobrisse o romance e como era de se
esperar, logo eles foram proibidos de se ver, caberia então a Otelo se arriscar
e se encontrar no meio da noite, em plena Universidade, para estar apenas 30
minutos com a menina mais fantástica do mundo, àquela que o teria salvo da
solidão. Ele provavelmente apanharia do pai, que de tão bêbado, não entendia o
amor e ela ficaria de castigo, mas ainda assim, o amor prevaleceria, pelo menos
por enquanto.
O
mais impressionante daquela relação é que toda a doçura, toda a poesia era
dele, Júlia apesar de menina, foi endurecida pela mãe e ele apesar de uma vida
tão sacrificante e, por muitas vezes injusta, teria voltado seus olhos apenas
para a mais pura sincera bondade, ainda assim, eles se amavam. Ambos sabiam que
eram os únicos que se entendiam do início ao fim.
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