Parte 2: O Sacrifício
Anos
se passaram após aquele encontro sob o luar, e mesmo que eles continuassem a se
ver esporadicamente, o sentimento cultivado por ele apenas amadurecera. Apesar
disso, já havia muito tempo que ele não a vira e desejava fazê-lo o mais rápido
possível. Mesmo assim, encontrar Júlia tinha se tornado algo cada vez mais
sacrificante e doloroso. Os pais dela desconfiavam de um possível
relacionamento e aquilo com certeza estaria fora dos planos deles. Júlia era a
menina de ouro, àquela que fora preparada desde o berço para se tornar a médica
da família, antes mesmo de passar no vestibular, seus pais, médicos também, já
estavam se preparando para enviá-la a Boston onde faria a sua especialização em
Neurologia. Pais... São sempre os mesmos, organizam tudo, planejam cada passo,
exceto um: a vontade individual do filho.
Júlia
cresceu assim, cercada de planos (dos outros) e ao mesmo tempo mergulhada em
amor. Otelo não teve a mesma sorte, família pobre e pai alcoólatra, combinação
explosiva que resultava em sessões semanais de espancamento. Às vezes, o garoto
apanhava tanto que mal podia carregar o violino de tantos machucados em suas
mãos. Apesar de tudo, Otelo possuía uma luz dentro de si que encantava a todos,
ou pelo menos quase todos, e com esse dom ele conseguia seguir a vida. Ao
entardecer, Otelo se dirigiu até a rua de Júlia e lá ficou durante horas, seu
objetivo imediato: vê-la a qualquer custo.
A
noite já entrava madrugada a dentro e Otelo permanecia imóvel e angustiado, não
imaginava o que poderia acontecer, mas desejava com o mais profundo sentimento
encontrá-la, resolveu arriscar. Não aguentava mais ficar ali e depois de alguns
segundos de hesitação optou por pular o muro da casa dela, aquilo parecia uma
ideia maluca, mas por outro lado, o que poderia acontecer? Apanhar da polícia?
Ele já iria apanhar do pai mesmo, uma surra a menos ou a mais não iria fazer
diferença.
Os
passos de Otelo gracejavam lentamente pela varanda de Júlia, nenhum sinal de
gente acordada, e isso naquele momento parecia ser muito bom. A escuridão da
casa pregava peças na mente dele e o medo de ser flagrado, antes diminuto,
agora se apresentava constante. “Que ideia maluca?!” Ele não parava de pensar,
era preciso chegar à janela do quarto dela, o mais rápido possível, mas como?
Se ele mal sabia se estava na casa correta.
Seu
coração apertado guiava o seu corpo casa a dentro, mas a sua mente exigia a sua
saída imediata, o jovem garoto estava a beira da loucura e a ansiedade somente
piorava a situação. “Será que tem cachorro? Será que o pai dela anda armado? O
que eu vou dizer aos meus pais?” Otelo não parava de pensar, seus pensamentos
pareciam paralelepípedos lançados contra ele e o garoto, ingênuo e ao mesmo
tempo altivo, sabia que no fundo não teria outra chance daquela.
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