Parte 3: O Alicerce
Meses depois
Angustiada.
Talvez essa fosse a palavra mais adequada para caracterizar Júlia, grávida de 3
meses, logo ela não conseguiria mais esconder a sua condição para a sociedade e
principalmente para os seus pais. Otelo, não tinha respostas, e imaturo do
jeito que era, jamais saberia contornar aquela situação, o garoto ingênuo e
carinhoso apresentava-se cada vez mais desesperado e infantil.
Otelo, em suas angústias
buscou auxílio em seus pais, contudo, a única ajuda que recebeu foi um convite
para se retirar de casa. Morava agora num quartinho e vivia daquilo que
conseguia arrecadar com a sua música. Não demorou muito e ele largou a
faculdade, dedicou-se a vida noturna, tocando em barzinhos, o que o levou a uma
nova paixão, o alcoolismo. Perdido e desamparado, Otelo seguia rumos cada vez
mais obscuros e Júlia, desconsolada, não sabia como reagir. Não era apenas uma
questão de desamparo, ele realmente não aceitava ter chegado a esse ponto,
estragara a vida dele, arruinara o futuro de Júlia que agora chorava
copiosamente pelos cantos. Faltou a eles conselho, faltou carinho, no entanto,
cobranças e dúvidas sobraram.
Não
demorou muito para que os pais dela descobrissem a gravidez e assim como o
esperado a puseram para fora de casa. Grávida e sem opções, Júlia foi morar com
Otelo, e muito em breve também abandonou a faculdade, passou a se dedicar a
trabalhos domésticos na casa de alguns pais de suas amigas, que tentavam ajudá-la
de alguma forma. Júlia sempre fora altiva, nunca se humilhou e mesmo naquela
situação drástica enfrentou tudo e todos, ela endureceu. Não era o mundo que ela projetara, não era um
sonho, não era vida.
Diferentemente
dela, Otelo não soube lidar com a situação, as dificuldades financeiras e a
proximidade do nascimento da criança, daquela quase maldita criança,
distanciaram ele de Júlia e quando menos esperavam, já se sentiam estranhos
vivendo no mesmo minúsculo e humilde espaço.
As acusações eram
realizadas diariamente, um contra o outro, dor contra dor. De certa forma, a
criança que nem viera ao mundo sentia isso e logo pagaria por um crime que nem
ao menos sabia que existia. Otelo se embriagava mais e mais e já não era o
mesmo, Júlia se afundava em trabalho e já vislumbrava num futuro virar o jogo. Voltar
para a faculdade, criar o menino, contudo, aquele outrora fora seu amor,
perdia-se em sonhos e devaneios. Ela não conseguia ajudá-lo e depois de certo
tempo também não quis mais fazê-lo. A criança nasceu e mal sabia que um abismo
de mágoas a esperava. Cansada daquele mundo, Júlia decidiu dar um basta e ir
embora, aquilo era o fim para ele, tudo perdido e com uma vida tão difícil ele
se perdia ainda mais dentro de si.
O tempo passou e Otelo
assistiu de perto o crescimento de Júlia, viu como ela poderia crescer e
superar aquilo, também a viu se envolver com outros amores outras histórias, era
tudo muito nublado para ele, que mal sabia diferenciar a loucura de sua triste
realidade. Mesmo com todo o esforço, Júlia jamais conseguiria se reerguer como
diarista, ela não merecia e ele de alguma forma pensava em ajudá-la, nem que
para isso fosse necessário mover céus e pedras.
O
alcoolismo transportou Otelo de seu mundo fantasiado para uma virulenta
depressão. Ele depositara em si toda a culpa por aquilo e ao menos uma vez
desejara não ter conhecido aquele que fora o grande amor da sua vida, restava
então um último gesto de amor, a criança não poderia sofrer por eles e merecia
de alguma forma ter o seu futuro assegurado, Otelo sabia disso e jurou para si
mesmo que devolveria tudo o que ele pensou ter privado de Júlia. Em sua mente
já perturbada tomou a mais triste de suas decisões.
Era
um domingo qualquer, daqueles que amanhecem com os pássaros, o jovem maestro
buscou na loucura as respostas para as suas angústias. Pendurado na cozinha,
Otelo fora encontrado, aos seus pés diários que se perderiam ao longo do tempo
e uma carta com os dizeres
“Meu amor, meu eterno amor, não
saberia dizer-te adeus. Não culpe a criança, minha partida trará uma melhoria
inesperada na sua vida, levo comigo a lembrança daquela menina que sempre viverá
no meu olhar... Com amor, Otelo”.
Durante
dias incontáveis, Júlia chorou. Suas noites vazias e a solidão que a massacrara
diariamente a moldaram numa outra mulher, fria, amargurada que cheia de
remorsos não soube aceitar a partida do seu único amor. O dinheiro adquirido
com o seguro de vida feito por ele nunca preenchera a sua ausência, aquele fora
o seu último poema, o seu sacrifício, restava agora a Júlia seguir adiante,
mesmo que não aceitasse a criança, mesmo que a culpasse por tudo, era necessário
criá-la e fora assim que, o pequeno menino crescera. Sempre rotulado, escolhido
como o vilão de uma história de amor fracassada, sempre criticado, esculpido
pela dor e sofrimento de Júlia, fora assim que se moldara aquele que deveria
ser um novo homem, um novo alicerce: Pietro.
FINAL DO CAPÍTULO 6, em breve... Mais novidades!!!
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